Refugiado: aquele que não pode voltar atrás
Na bagagem de todo migrante, além de seus pertences, recordações e boa dose de saudade, vai sempre o desejo de um dia retornar à terra onde estão sepultados os restos mortais dos próprios ancestrais. Tanto é verdade que, de forma geral, salvo as necessidades urgentes e imediatas, os primeiros ganhos obtidos no destino acabam sendo remetidos para a região ou país de origem. Investe-se na terra natal com a esperança e o sonho de a ela voltar na condição de vencedor. O sociólogo argeliano Abdelmalek Sayad, com experiência de migrante entre a Argélia e a França, tem belas páginas escritas em que desenvolve de maneira oportuna e pertinente os conceitos de “dupla ausência” e “desejo do retorno”.
Mesmo quando a mobilidade humana (desde um ponto de vista geográfico) se torna incapaz de conduzir a uma mobilidade socioeconômica ascendente, o desejo do retorno permanece vivo, talvez mais vivo ainda, devido justamente à sua impossibilidade. O fenômeno das migrações históricas, seja da Europa para as Américas (no final do século XIX e início do XX, no cenário na revolução industrial), seja dos estados de Minas Gerais e do Nordeste para o centro-sul do Brasil (nas décadas de 1930-70, no contexto do desenvolvimentismo), representava com certa frequência uma relativa ascensão no nível de vida. Hoje em dia, tornou-se bem mais difícil que a mobilidade humana seja seguida de uma mobilidade social e econômica.
A mobilidade social ascendente cedeu o lugar, em grande parte dos casos, a uma mobilidade social descendente. Não obstante estes reveses negativos, porém, os migrantes não abandonam o projeto de voltar ao solo que os viu nascer. Os estrangeiros de primeira geração, diferentemente de seus descendentes, de segunda e terceira gerações, mantêm acesa a chama dessa esperança: rever o lugar, os rostos e as histórias que foram interrompidas.
Não é o que acontece com os refugiados. Estes, na grande maioria dos casos, não podem voltar atrás. Não foi exatamente a condição de pobreza, da miséria e da fome que os fez abandonar o lugar de nascimento. Tampouco foi a falta de oportunidades para buscar o pão de cada dia. O que realmente os expulsou da própria região e/ou país foram as tensões, conflitos, guerras e, mais recentemente, as catástrofes climáticas. Via de regra, são fugitivos de um outro tipo de violência, seja esta política, ideológica, étnica ou religiosa. E atualmente cresce o número dos que fogem da natureza em fúria – os refugiados climáticos – vítimas, não raro inocentes, da reação do meio ambiente à maneira como a economia global depreda, devasta e contamina o ar, as águas e as relações entre coisas, animais e pessoas.
Ao voltar o olhar atrás, o refugiado se depara com a intolerância, o preconceito, a xenofobia e a perseguição. Pode até mesmo vislumbrar a própria detenção ou condenação à morte. Na terra de origem mora o perigo, o risco de perder a vida e de comprometer a família e os parentes. Não que os migrantes sociais e econômicos, digamos assim, também não sejam alvos de preconceito, intolerância e xenofobia. Neste caso, a criminalização normalmente está na fronteira ou no país de destino. No caso dos refugiados, a pátria se lhes tornou hostil e inóspita. O solo da benção se converteu em terra maldita. A agressividade intransigente vem dos próprios conterrâneos. Como voltar atrás? Como desfazer e refazer o passado?
Claro que a distinção entre migrantes, de um lado, e refugiados, de outro, será sempre fluída e ambígua. Com relativa frequência, a pobreza leva à rebeldia e à revolta na terra natal, e a essa contestação, por sua vez, segue-se a fuga como única forma de sobreviver. De qualquer forma, para o refugiado, o sonho do retorno se transforma em pesadelo. Retornar é submeter a si e à família a dissabores que podem ser letais. Um item indispensável da bagagem, que ainda nutre os anseios de muitos migrantes, torna-se para sempre banido. As raízes que foram arrancadas com violência do solo pátrio podem, evidentemente, ser replantadas em outras paragens, mas encontram-se proibidas de voltar à terra mãe.
Pe. Alfredo J. Gonçalves
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