100 milhões de refugiados
Conforme as últimas estimativas do ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – estes ultrapassam a cifra de 100 milhões de pessoas em todo mundo. Em termos estritos, “refugiado” é aquele que não pode voltar atrás. Encontra-se fora do país de origem por causa do risco de perseguição, prisão ou morte. Não devido a crimes comuns, evidentemente, mas por oposição política, ideológica ou religiosa ao regime vigente. Por isso, o retorno pode conduzir à represália por parte das autoridades que sustentam o governo. Entre os refugiados, enquanto boa parte se vê condenada a sair improvisamente devido a tensões, conflitos armados ou guerras abertas, deixando tudo às suas costas incluindo às vezes terra e família, outra parte, pressionada igualmente pela intolerância, acaba pedindo asilo político em outro país.
Ao lado dos refugiados e requisitantes de asilo, também em condições extremamente precárias e vulneráveis, encontram-se os “desplazados” ou deslocados internos. Eles o são em geral pelas mais variadas formas de violência. O deslocamento interno constitui, muitas vezes, uma etapa preliminar do pedido de refúgio ou da fuga pura e simples. Os Estados que, nas últimas décadas, têm “produzindo” refugiados e/ou deslocados internos aos milhões são, por ordem de grandeza, Ucrânia (mais de 8 milhões), Síria (cerca de 6 milhões), Venezuela (em torno de 5 milhões), Sudão do Sul (entre 2 e 3 milhões)!... Ao redor de um milhão, vêem Etiópia, Nigéria, Mianmar, Iêmen, Afeganistão, Moçambique!... Temos ainda os povos que sequer possuem território, os palestinos e os curdos, que há tempo lutam respectivamente contra Israel e a Turquia.
A condição de refugiados, requisitantes de asilo ou deslocados internos reflete o clima universal do que o Papa Francisco vem denominado de “terceira guerra mundial aos pedaços”. Tanto isso é verdade que, por trás dessas situações complexas de tensão, conflito ou guerra declarada, não raro encontram-se as grandes potências do planeta, tais como Estados Unidos, China, Rússia, Grã-Bretanha, para citar as mais relevantes. Muita coisa está em jogo: o xadrez da geopolítica internacional, com uma nova forma de guerra-fria; a fabricação e venda em massa de armas que, para algumas nações garante maior taxa de emprego; a divisão internacional do trabalho, aliada à disputa tenaz e feroz pelos recursos naturais ou commodities, numa economia cada vez mais globalizada; enfim, entrelaçadas com as motivações anteriores, também está em jogo a posição de cada país no tabuleiro da geopolítica mundial, por um lado, e, por outro, a força e a corrida armamentista que revela justamente o grau de potência de cada país envolvido.
Curiosamente, esses conflitos recentes, em sua maioria (senão todos), têm como cenário países subdesenvolvidos. É como se as potências mais poderosas “exportassem” as guerras para fora de seu território, dizimando desse modo multidões de cidadãos de “segunda categoria”, aqueles que o pontífice chama de “descartáveis”. Da mesma forma que exportam mercadorias, exportam igualmente os males da guerra. Os interesses sociais, políticos e econômicos dos mais ricos geram confrontos sangrentos na casa dos mais pobres. São estes que sacrificam seus filhos e sua paz – para não falar da pobreza e da fome, da crise e do desemprego, do caos e da barbárie – em nome de uma acumulação de capital cada vez mais assimétrica e que, em contrapartida, provoca movimentos migratórios praticamente em todos países e todas direções. Soltados e exércitos pisoteiam e devastam as nações pobres, enquanto crescem os milionários e bilionários nos que vendem armas, e que chegam à suprema hipocrisia de chamar para a mesa de negociação!
Nesses palcos condenados à guerra, resta aos cidadãos a fuga em massa. Fuga que se reproduz igualmente devido à miséria extrema e à falta de oportunidades. Afinal de contas, para baixar os custos do trabalho, explorando ao máximo a mão-de-obra, ou para se apropriar dos recursos que a natureza coloca à disposição de toda a humanidade, o sistema capitalista de produção precisa contar permanentemente com um gigantesco exército de reserva que vive de migalhas. Exército que, de acordo com a teoria, “não mora, acampa e se move”.
Pe. Alfredo J. Gonçalves
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