Comunicar é a arte da comunhão
Do toque dos sinos às publicações nas mídias sociais digitais, a comunicação eclesial sempre esteve a serviço da evangelização. O Concílio Vaticano II, no seu decreto sobre os meios de comunicação social, afirma que estes “contribuem eficazmente para recrear e cultivar os espíritos e para propagar e firmar o reino de Deus” (Inter Mirifica, 2). Também os bispos da América Latina e Caribe afirmam que “a evangelização, anúncio do Reino, é comunicação: portanto, a comunicação social deve ser levada em conta em todos os aspectos da transmissão da Boa Nova” (Documento de Puebla, 1063)
Passadas algumas décadas dessas afirmações, o compromisso da Igreja continua o mesmo. Então, o que muda? A forma de comunicar. A pandemia do coronavírus, além das questões de cuidado impostas à saúde, lançou à comunicação o desafio da sobrevivência. E o desafio foi ainda maior à Igreja: como evangelizar neste tempo? O cardeal José Tolentino Mendonça afirmou em meados de 2020 que, com a pandemia, o futuro chegou de supetão. E foi de supetão que fomos lançados ao ambiente digital. Celebrações, reuniões, encontros, partilhas... tudo transposto para um lugar até então pouco explorado. Quem já tinha algum tipo de trabalho passou aperto e quem não tinha nada se viu obrigado a, da noite para o dia, reinventar suas práticas pastorais. Nossos ritos e nossa forma de ser Igreja foram pensados e construídos para o contato presencial e relacional e abruptamente tivemos que descortinar uma nova forma de presença.
Os princípios não envelhecem e o Evangelho, Boa Notícia por natureza, se atualiza na vida dos homens e mulheres de nosso tempo, seja na sua comunidade eclesial missionária, seja em sua igreja doméstica, seja na “igreja digital”. Inclusive, esta presença digital já é mencionada pelo Papa Francisco em mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2014. Ele reflete que “não basta circular pelas ‘estradas’ digitais, isto é, simplesmente estar conectados: é necessário que a conexão seja acompanhada pelo encontro verdadeiro. Não podemos viver sozinhos, fechados em nós mesmos.” (Papa Francisco, 2014) O pontífice vai um pouco além e diz que estas estradas estão “congestionadas de humanidade, muitas vezes ferida: homens e mulheres que procuram uma salvação ou uma esperança.” (idem)
E o que fazer nestas estradas? Como gerar proximidade concreta neste ambiente abstrato? Ora, comunicação é a arte da comunhão, do encontro. Está radicada no verbo communicare, que pode ser traduzido, num primeiro sentido, como “pôr em comum, repartir, dividir alguma coisa com alguém, partilhar”. Daí gera “reunir, associar, misturar”. E mais: “falar, conversar, comunicar”... e “comungar”. Tantas acepções para entender este princípio: comunicação é comunhão! Comunhão que vivemos no seio de nossa comunidade quando participamos da Eucaristia, quando nos reunimos com os membros de uma pastoral ao movimento, quando nos abrimos ao Espírito para deixar que ele aja em nós no ambiente digital.
A Igreja precisa de uma presença fecunda nos ambientes digitais. Não deve estar aí apenas para falar, mas, sobretudo, para escutar e oferecer respostas. Escutar a humanidade ferida e oferecer respostas de esperança. Vivemos no tempo do falatório, em detrimento da escuta. Se olharmos para a Sagrada Escritura, entenderemos que experiência vivida no Tabor (cf. Mc 9,2-10) foi a primazia da escuta. É o chamado aos comunicadores de hoje e a todos os que transitam nas estradas digitais: escutar, interagir, responder.
Desafio posto, cabe-nos ter consciência do discipulado e da missão, deixarmo-nos renovar pelo Espírito, reencantarmo-nos pela vida e pelo outro, redescobrirmos o valor da escuta e novas formas de presença. A rede que queremos, é “uma rede tecida pela Comunhão Eucarística, onde a união não se baseia nos like, mas na verdade, no amém com que cada um adere ao Corpo de Cristo, acolhendo os outros” (Papa Francisco, 2019).
Marcus Tullius
Mestrando em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC-Minas). Filósofo e publicitário. Coordenador geral da Pascom Brasil e membro do Grupo de Reflexão em Comunicação da CNBB. É autor do livro Esperançar: a missão do agente da Pastoral da Comunicação, pela Editora Paulus.
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