CONIC celebra 40 anos de diálogo e ações por direitos entre igrejas evangélicas e católica
Celebrar aniversário é uma valiosa oportunidade de recuperar a memória para iluminar o presente e projetar o futuro. Os 40 anos da fundação do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), que marcam este 2022, nos chamam a celebrar a existência deste significativo organismo ecumênico e a realizar este exercício de memória, em especial nestes tempos medonhos que o Brasil vive. Afinal, como nos ensinou o teólogo Rubem Alves, “a memória tem uma função subversiva. (...) Talvez que a memória das esperanças já mortas seja capaz de trazê-las de novo à vida, de forma que o passado se transforme em profecia e a visão do paraíso perdido dê à luz a expectativa de uma utopia a ser conquistada” (em Dogmatismo e Tolerância, Ed. Loyola, 2004).
O CONIC é expressão do movimento ecumênico nacional e de um momento de reconstrução democrática do Brasil (como a que é urgente no presente!). Naquele 1982, o país ainda vivia uma ditadura militar (1964-1985), sob a liderança do presidente general João Batista Figueiredo. As pressões nacionais e internacionais por um retorno à democracia, depois de muita perseguição, tortura e morte de opositores do regime, havia tornado possível um período denominado de “abertura democrática”. Os efeitos da ditadura haviam sido terríveis sobre o movimento ecumênico no país.
Uma das expressões evangélicas mais significativas no mundo, no século 20, o ecumenismo, do grego oikoumene (ecumene, “mundo habitado”, “casa comum”) nasceu de pessoas sensíveis à necessidade da construção de pontes, da rejeição da competição entre os diferentes segmentos religiosos, inspiradas nos ventos dos humanismos que sopravam entre cristãos desde o século 19.
Estes ventos levaram estas pessoas a retornarem às bases cristãs do respeito, da misericórdia, do diálogo, do entendimento. Surgiu então o movimento ecumênico, alicerçado no respeito às diferenças, na superação das tensões em torno de divergências e na busca de diálogo, na comunhão e na cooperação entre os diferentes cristãos e as distintas religiões em ações em prol da paz e da justiça. A ênfase no relacionamento entre os diferentes grupos passava a se assentar nas bases da fé que unem e não no que divide.
Recuperava-se a compreensão de fé sobre a casa comum, de todas as pessoas e povos, o mundo criado por Deus que precisa ser cuidado, para que tudo e todos que nele existem vivam em harmonia, comunhão, justiça e paz.
O movimento ecumênico brotou de ações de evangélicos que se uniam em muitas frentes desde o século 19: movimentos de jovens, de missionários, de educadores, de mulheres, de pacifistas, de grupos que atuavam na restauração de pessoas e povos nas guerras mundiais, de pessoas que se uniam em torno de práticas de oração e de estudo da Bíblia. Gente sensível que enfatizava os elementos do Cristianismo que chamavam à aproximação e à cooperação incondicionais em nome da justiça e da paz.
No Brasil, além dos movimentos estudantis cristãos desde os anos 1920, a Confederação Evangélica do Brasil (CEB), fundada em 1934, marcou a história das igrejas evangélicas no país. Fez diferença no espaço público com atividades como o Setor de Responsabilidade Social da Igreja (Departamento de Estudos), o Departamento de Ação Social (com o importante trabalho relacionado à imigração), o Departamento da Mocidade (ações com a Juventude), prestação de serviços à imprensa (para uma digna cobertura das atividades das igrejas evangélicas), entre outras.
A ditadura civil-militar teve ação repressiva devastadora sobre os organismos ecumênicos brasileiros. Centenas de líderes de igrejas, católica romana e evangélicas (pastores, padres, homens e mulheres leigos, adultos e jovens), foram perseguidos, presos de forma arbitrária, torturados, desaparecidos forçosamente, assassinados, expulsos e banidos, exilados. A CEB foi invadida e fechada. Os ideais cristãos calcados na justiça e na paz sobreviveram à custa de muita perseverança em tornos do princípio do ecumenismo e de ações subversivas para manter vivo o compromisso que unia fé e democracia.
Isto tornou possível que o movimento ecumênico brasileiro continuasse vivo na forma de muitas associações de igrejas, de jovens, de promoção da vida em todas as dimensões, de estudos. E com a abertura democrática, nasceu o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), em 1982, resultado de conversações, ao longo de sete anos, entre as igrejas Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, Episcopal Anglicana do Brasil, Metodista, que compunham a CEB, e a Igreja Católica Romana.
Desde então, por 40 anos deste marco, o CONIC tem buscado promover relações ecumênicas entre as igrejas-membro https://conic.org.br/portal/igrejas-membro, seus membros fraternos https://conic.org.br/portal/membros-fraternos e as demais igrejas e expressões religiosas do Brasil. Atua também no fortalecimento do testemunho conjunto na defesa dos direitos humanos, como forma de fidelidade à mensagem de justiça e paz contida no Evangelho de Jesus, que alimenta os princípios cristãos. Com sede em Brasília (DF), as ações do CONIC são conduzidas pela diretoria https://www.conic.org.br/portal/diretoria em conjunto com a secretária-geral, a pastora da Igreja Evangélica de Confissão Luterana Romi Bencke.
As quatro décadas de existência do CONIC não foram isentas de turbulências e crises. Há, historicamente, muita reação ao ecumenismo por conta de exclusivismos, do divisionismo, de competição e de indiferença, em especial de lideranças religiosas, com as possibilidades de encontro e cooperação, especialmente entre os segmentos evangélicos brasileiros. No entanto, ainda que tenha expressão minoritária de membros associados, o CONIC dá continuidade, no Brasil, ao histórico desafio de se derrubar muros e construir pontes, que aproximem não apenas cristãos e outros grupos religiosos, mas também as outras tantas parcelas de um mundo cada vez mais dividido.
O número 40, registrado nos textos da tradição judaico-cristã, tem um significado importante para a memória do CONIC. Da conhecida história do dilúvio (os 40 dias em que a terra ficou submersa), passando pelo tempo do êxodo do povo hebreu no deserto, do Egito à Terra Prometida (40 anos), ao número de dias que Jesus passou no deserto antes de iniciar sua intensa vida pública (40 dias), são muitas as referências ao número 40 nas narrativas da Bíblia. Em todas elas, este número indica não um tempo cronológico exato, mas, de acordo com a cultura e visão do mundo dos povos do Oriente Médio, um momento vivido na sua completude, que, frequentemente, marca a realização de um tempo significativo de decisões e mudanças.
Que o novo tempo do CONIC, ainda que viva um contexto de crises (inundações, mudanças forçadas, desertos), dentro e fora das igrejas, seja vivido em completude e represente oportunidade, com esta memória tão rica, de transformações e renovação para a necessária reconstrução do Brasil, como há 40 anos.
Artigo originalmente publicado pela revista Carta Capital em 16/2/2022.
Magali Cunha
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