Um olhar sobre a paternidade de São José
Embora eu não seja um especialista em cinema e, por isso, não me sinta autorizado a fazer análises muito técnicas sobre produções audiovisuais, vou pedir licença ao leitor da Agência SIGNIS e me permitir tecer um breve comentário sobre Coração de pai, documentário espanhol trazido ao Brasil pela Kolbe Arte, cuja première tive o privilégio assistir recentemente. Partindo de um resgate histórico, a produção busca apresentar uma atualização sobre as relações devocionais da comunidade católica no mundo com São José, pai adotivo de Jesus e patrono universal da Igreja.
Devo dizer também que não faço muito o tipo muito “devocional” e que, por isso, a minha tendência é olhar com crítica, quando não com certo ceticismo, expressões de religiosidade muito marcadas por esse tipo de postura que, se por um lado podem ser demonstração de sentimentos autênticos, por outro, podem transparecer uma experiência religiosa pietista, sentimental, pouco afeta à razão. Por vezes, essa postura excessivamente devocional me parece tender a um moralismo que, a meu ver, não responde às demandas dos fieis de hoje, sobretudo das novas gerações, e compromete a experiência de fé de uma Igreja que se pretende “em saída” e engajada em acolher sobretudo aqueles que se encontram nas chamadas “periferias existenciais”, conforme ensina o Papa Francisco.
O fato é que Coração de pai, para além do seu foco na devoção a São José, me surpreendeu por apresentar o testemunho autêntico de fieis cuja relação de filiação espiritual com o santo produziu e segue produzindo frutos, cuja marca da ação de Deus é inegável. São testemunhos, diria, revolucionários, porque demonstram a grandeza de José como mediador na relação com Deus que, mais do que produzir feitos extraordinários (milagres), conduz à mudança de vida, de postura, de consciência e comportamento que correspondem aos desígnios do Eterno Pai.
São testemunhos que nos ajudam a contemplar a experiência religiosa não condicionada pelo fantástico, mas por condutas que espelham o projeto de Deus na vida das pessoas. Isso é extraordinário e, ao mesmo tempo, cativante! Afinal, em geral, a ação de Deus na vida da maioria das pessoas tem muito da imagem do próprio José: é silenciosa, discreta, firme, paciente, verdadeira. De fato, alguns dos relatos nessa produção impressionam pela simplicidade e falta de pretensão dos fatos e gestos dos seus protagonistas.
Nesse sentido, algo que o documentário parece apontar, ainda que indiretamente, para uma devoção religiosa capaz de nos fazer contemplar a vida do santo segundo o seu testemunho de fidelidade a Deus e amor ao próximo e menos para sua intervenção “milagreira”. Mesmo que, no caso de José, as informações confiáveis sobre a sua vida pareçam escassas porque limitadas a poucas passagens das Sagradas Escrituras, há muito o que se aprender sobre o testemunho paternal e heroico de José. Aliás, a esse respeito, para quem não o fez, recomendo a leitura da carta apostólica Patris corde, do Papa Francisco, sobre a paternidade de São José. Esse texto nos ajuda a (re)descobrir o significado da pessoa de José e a aprender com sua experiência de pai.
Além disso, segunda a minha modesta opinião, o documentário é rico pela diversidade de informações sobre o culto a São José ao redor do mundo, pela capacidade de nos comover, pela beleza de imagens, por uma narrativa simples e clara, capaz de prender a atenção, mesmo daqueles menos devocionais. Por isso, se a minha palavra tem algum valor nesse sentido, eu recomendo que se você tiver a oportunidade, não perca a chance de assistir Coração de Pai. Será um momento para contemplar o quanto a ação de Deus ao longo da história se faz viva e transformadora, graças à mediação de São José.
Luis Henrique Marques
Jornalista e editor-chefe das revistas Cidade Nova e Ekklesía Brasil, da Editora Cidade Nova. É mestre em comunicação e doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e tem pós-doutorado em comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi secretário da Diretoria da SIGNIS Brasil no triênio 2020-2022 e editor-chefe da Agência SIGNIS. Blog profissional: prof-luis-marques.webnode.com
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