Natal é a celebração da Encarnação
Como cristãos, professamos que Jesus é o Deus que se fez homem para a redenção da humanidade. Diferentemente das outras religiões pelas quais o ser humano busca ir ao encontro do divino, no Cristianismo, o divino vem até o ser humano e, assumindo a condição humana, não só apresenta o caminho de resgate da situação de pecado (isto e, de distanciamento de Deus e consequente infelicidade) como o ensina a percorrê-lo, tendo em vista encontrar a própria realização (ao salvação, para usar uma terminologia mais religiosa). A esse processo o Cristianismo chamou de Encarnação.
Nesse sentido, celebrar o Natal, para mim, é celebrar a Encarnação. Isso tudo pode parecer óbvio para nós que, engajados na vida da Igreja, assumimos a missão de construir o Reino de Deus já aqui nesta Terra. É, mas observando certas posturas e discursos no seio dessa mesma Igreja, por vezes, tenho a impressão de que muitos de nós ou não aprendemos ou nos esquecemos que seguir Cristo é viver essa experiência da Encarnação. Acho que isso mudaria (e muito) o sentido que damos à celebração do Natal, festa em que recordamos o momento em que Jesus entra na nossa história, dando início a esse processo de Encarnação.
A despeito do fato de que é Deus quem realmente opera os milagres, pequenos ou grandes, no cotidiano da nossa vida e ao longo da história, razão pela qual pouco ou nada teríamos a acrescentar ao processo de redenção da humanidade assim como projetado pelo Eterno Pai, por vontade divina, cabe a nós uma contribuição para o sucesso dessa empreitada. Dar o nosso testemunho verdadeiro de amor a Deus mediante o amor concreto ao ser humano, o que implica a construção de uma humanidade nova (renovada segundo o projeto divino), creio ser a forma de participarmos desse processo de Encarnação.
O importante é acreditar que, Jesus entre nós, presente espiritualmente porque atraído pelo amor recíproco e autêntico entre as pessoas, é, no final das contas, o agente transformador de toda a realidade. Não poderia ser diferente. Afinal, como seríamos capazes de sozinhos, edificarmos uma vida em sociedade que fosse ao menos reflexo dos planos de Deus?
Um dos problemas, a meu ver, que emperram esse processo está no fato de que muitos de nós (cristãos, em especial) permanecemos passivos diante da realidade da Encarnação na medida em que não nos comprometemos concretamente com a construção do Reino de Deus, limitando nossa relação com Ele a manifestações religiosas privatistas, devocionais, passivas, movidas pelo sentimentalismo ou por certo pragmatismo interesseiro, desengajada da realidade cotidiana. O resultado já o conhecemos: caminhamos na contramão do projeto de Deus para a humanidade e colhemos como consequência disso toda sorte de males.
Celebrar o nascimento do Cristo me parece fazer muito mais sentido quando reconhecemos os sinais da presença Dele na nossa vida não só pessoal, mas também comunitária e social. É algo que deveria fazer o nosso coração bater mais forte, porque reconhecemos que o mesmo Jesus que se encarnou feito menino, segue se fazendo presente onde duas ou mais pessoas se encontram unidas em nome Dele e, por graça Dele, constroem um pouco, aqui na Terra, do que será a plenitude do Seu Reino na eternidade: uma sociedade de paz, justiça, fraternidade.
Faço votos que redescubramos neste Natal e ao longo de todo ano o milagre da presença de Deus manifestada no amor ao irmão e no amor entre irmãos, capaz de revolucionar as estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais da nossa sociedade. Para isso, é preciso coragem de mergulhar nessa aventura e permitir que Deus opere especialmente ali onde mostramo-nos mais vulneráveis. De fato, é exatamente nesse contexto de fragilidade em que o Seu Amor por nós e pela humanidade se revela infinito ainda que possa parecer pequeno. A imagem do menino-Deus na manjedoura parece representar bem isso.
Luis Henrique Marques
Jornalista e editor-chefe das revistas Cidade Nova e Ekklesía Brasil, da Editora Cidade Nova. É mestre em comunicação e doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e tem pós-doutorado em comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi secretário da Diretoria da SIGNIS Brasil no triênio 2020-2022 e editor-chefe da Agência SIGNIS. Blog profissional: prof-luis-marques.webnode.com
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