Ano novo e projetos: ousadia, mas com responsabilidade
Estou longe de ser uma pessoa ousada. Procuro sempre considerar que só posso assumir os compromissos que dou conta de cumprir. Por isso, posso ser interpretado como alguém que não “pensa grande”. Não vou negar que, por vezes, sou sujeito a medir demais as situações e arriscar pouco. Por outro lado, admiro quem é capaz de correr riscos, de ser ousado, mas claro, desde que assuma realmente o que fez (e o que não fez) e suas consequências.
Penso com frequência nisso, mas com a proximidade de um novo ano, esse assunto me parece ganhar especial relevância. Afinal, é neste momento em que fazemos promessas ou (re)desenhamos projetos para nós e para os outros.
Não raro nos entusiasmamos com as possibilidades do futuro próximo e alongamos a lista de projetos. Refiro-me aqui a todo tipo de situação, do simples propósito de começar a fazer exercícios físicos e adotar uma dieta balanceada a projetar as ações de uma empresa ou organização, o que inclui o âmbito eclesial. Aliás, as próprias Sagradas Escrituras orientam o planejamento no que diz respeito às coisas de Deus. Claro que, pela fé, sabemos que é Deus mesmo quem se encarrega de nos mostrar se estamos no caminho certo ou não. “Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça...”.
Bem, uma pessoa minimamente sensata, inteligente e consciente de suas escolhas sabe que qualquer projeto pede planejamento. Esse, entre outras exigências, implica o estabelecimento de metas segundo prioridades (nem sempre dá para fazer tudo e precisamos ser humildes para admitir isso); processos (métodos sobre como atingir as metas) e recursos para isso. Trata-se de metas, métodos e recursos reais, portanto.
Entendo que começamos mal e, por isso, com frequência, não concluímos o que começamos quando somos levados pela “síndrome do puxadinho” que costuma começar com posturas do tipo: “vamos começando com o que temos e depois resolvemos o resto...”. Nesses casos, nosso planejamento se revela insuficiente e, geralmente, nossas respostas acabam se tornando igualmente insuficientes.
O quadro piora na medida em que não seguimos o próprio planejamento por qualquer motivo (legítimo ou não) e estamos sempre improvisando, retomando do início. Não me refiro a imprevistos ou dificuldades, porque sempre existirão e sobre isso não temos controle, mas ao fato de que não buscamos nos preparar para eventualidades ou não paramos, no momento certo, para readequar metas e rotas.
Como brasileiros, parece-me, nem sempre fãs de formalidades e rigor, estamos sujeitos a “jeitinhos” e “puxadinhos”. Creio que isso vai além de impressões pessoais, inclusive porque existem estudos antropológicos a respeito desse comportamento típico de nossa cultura. Ainda que reconheça que certo jogo de cintura seja útil, perdemos muito quando não somos rigorosos no cumprimento dos nossos projetos.
Triste é quando, sob a falsa ideia de “pensar positivo”, ao final de certos processos, vemos apenas o que queremos e como queremos em relação ao que executamos (ou não), justificando para nós mesmos e para os outros aquilo que não se justifica muito bem. Ou pintamos uma imagem bem mais bonita do que os resultados concretos do nosso pouco compromisso e escolhas inadequadas revelam de fato. A verdade, afinal, vem à tona.
Eu acredito a relação com os outros é um recurso que pode nos ajudar a superar essas incoerências. É verdade que depende com que honestidade mantemos a relação, mas a possibilidade do diálogo e até mesmo do confronto de posições pode nos ajudar a ver a realidade com a clareza, a transparência e o bom senso que isso demanda e, ousadias à parte, a assumir projetos com o mínimo de responsabilidade.
Não existe receita pronta para isso. Mas, certamente, é a melhor opção para quem pretende dar conta dos próprios projetos de forma adequada. Façamos votos que todos assumamos (ou retomemos) projetos adequados em nossa vida, especialmente para o próximo ano, dos mais simples aos mais complexos, com esse propósito de usarmos de uma metodologia mais relacional, aplicada na elaboração, execução e avaliação nossas iniciativas. O outro, se ouvido com humildade e desapego, pode ser o sinal para que mudemos de rota ou refaçamos nossos projetos. Com essa disposição, ousadias valem à pena, a despeito dos resultados.
Luis Henrique Marques
Jornalista e editor-chefe das revistas Cidade Nova e Ekklesía Brasil, da Editora Cidade Nova. É mestre em comunicação e doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e tem pós-doutorado em comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi secretário da Diretoria da SIGNIS Brasil no triênio 2020-2022 e editor-chefe da Agência SIGNIS. Blog profissional: prof-luis-marques.webnode.com
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