A Igreja precisa viver a experiência do silêncio
Este artigo foi motivado por uma razão muito pessoal: eu tenho grande dificuldade de me concentrar em momentos de recolhimento e oração. Na missa em particular, enquanto somos guiados pela leitura, superar esse limite fica mais fácil. De fato, ali podemos seguir o folheto e acompanhar as diferentes orações que o sacerdote faz ao longo da celebração. Nesse sentido, podemos rezar juntos com o padre. Mas há pelo menos um momento em que o protagonismo desse diálogo com Deus é de cada pessoa que participa da missa: depois que recebemos a comunhão eucarística e podemos nos recolher na intimidade com Jesus. Bom, para mim, muitas vezes, aí está a maior dificuldade.
À parte as minhas limitações pessoais, com frequência, sinto que às vezes, em razão da maneira como esse momento litúrgico é conduzido, a minha dificuldade de concentração aumenta. Ocorre que mal me sento após receber a eucaristia, o sacerdote ou um leigo (geralmente, que está cantando) resolve “rezar por mim”. Tudo bem: tem gente que se identifica com a oração ou a canção que, nesse momento, costuma ser feita ao microfone por uma pessoa para toda a assembleia. Mas, muitas vezes, eu quis dizer algo diferente, pessoal para Jesus e não consegui, distraído com que o outro estava dizendo por mim. Cheguei a pensar também: “Tá, ok, mas não era isso que eu gostaria de dizer para Jesus, neste momento...”.
Eu reconheço também que, com frequência, passo do posicionamento crítico à impaciência, o que não justifica meu julgamento. Compreendo ainda a boa intenção de quem, tendo o privilégio de estar ao microfone, deseja motivar ou inspirar a comunidade à oração ou reflexão. No entanto, acho que, nesses casos, quem conduz a liturgia não se dá conta, tendendo a negar às pessoas o direito ao silêncio, livre de distrações, quando o diálogo pessoal com o Jesus Eucarístico poderia acontecer de forma serena. Convenhamos, pedir silêncio nesse momento não é pedir muito, inclusive porque é o único momento em que ninguém tem que, obrigatoriamente, dizer alguma coisa durante a celebração.
A despeito do fato de que a assembleia eclesial pode (e deve) manifestar, com alegria e entusiasmo, o louvor a Deus, às vezes, tenho a impressão de que, a exemplo do que acontece em outros ambientes, as pessoas se incomodam com o silêncio e não sabem tirar proveito dele. Vou um pouco além: acho que, às vezes, a Igreja é barulhenta demais. Soma-se a certas manifestações verbais e musicais excessivas, quando não barulhentas, o fato de que muitas pessoas nem sequer sabem como se comportar num ambiente como esse. São muitos os “pecados” contra o silêncio, dos quais podemos isentar as crianças, justamente porque são crianças.
O espaço não me permite, mas penso que cabe uma reflexão mais profunda. Proclamar a Palavra de Deus, proclamar o Seu Amor por nós e tudo o que isso significa não é “querer ganhar o outro no grito”, com o perdão do exagero. Também o excesso de palavras não costuma converter as pessoas. Para além dessas manifestações públicas verbais, necessárias à nossa fé, cabe considerar que o testemunho de amor concreto, desde os pequenos gestos, é o que costuma dizer mais sobre o que somos e acreditamos. Além disso, é preciso viver também a experiência positiva do silêncio que permite nos recolher em oração pessoal, experiência que, por sua vez, costuma começar por ouvirmos a nossa própria consciência, a propósito e não por acaso, considerada a “voz de Deus”.
Este artigo foi publicado originalmente na edição de agosto da revista Cidade Nov.
Luis Henrique Marques
Jornalista e editor-chefe das revistas Cidade Nova e Ekklesía Brasil, da Editora Cidade Nova. É mestre em comunicação e doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e tem pós-doutorado em comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi secretário da Diretoria da SIGNIS Brasil no triênio 2020-2022 e editor-chefe da Agência SIGNIS. Blog profissional: prof-luis-marques.webnode.com
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