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A beleza que existe para além da cruz

Há 3 anos
A beleza que existe para além da cruz
(foto por Luís Henrique Marques)

Fico impressionado com as manifestações da piedade popular que ocorrem Brasil afora durante esse período da Quaresma, especialmente por ocasião da Sexta-feira Santa. Para além das músicas, danças e cores, o que me chama atenção é justamente a fé com que as pessoas – sobretudo as mais simples – se entregam a essas manifestações. Em alguns casos, chega a ser comovente. Mas também tenho a sensação que, dada à simplicidade de compreensão que parece guiar tais manifestações, para outros, acaba-se dando uma imagem equivocada da fé cristã, sugerindo, talvez, que o sofrimento da cruz deva ser celebrado por si mesmo, quase numa perspectiva masoquista ou mágica.

“Deus não está em nós como o crucifixo que, às vezes, mais parece um amuleto na parede da sala de aula. Ele está vivo em nós – se o deixamos viver – como legislador de cada lei humana e divina, pois toda ela é obra sua”, escreveu Chiara Lubich. Há, pois, uma beleza na vida do ser humano que pode nascer na cruz, mas que deve ir além dela. E que, naturalmente, transcende o objeto do crucifixo, porque – como afirma Chiara – se revela na vida daquela pessoa cuja fé a estimula superar as próprias dores por amor a Deus e ao semelhante e contribui para transformar a própria vida e a realidade política, econômica, social e cultural na qual esta se insere.

Não sou teólogo e, por isso, seria um atrevimento da maior parte querer teologizar sobre a cruz. Mas posso dizer, pela experiência de tantos cristãos autênticos que conheço que a paixão, morte e ressurreição de Cristo me falam sempre de transformação, de mudança. O grão de trigo que cai na terra e morre é aquele que dá fruto. O saber perder, o saber sacrificar-se pelo bem do outro, a capacidade de doar-se é o que dá início ao processo de mudança. Sem dúvida, implica riscos e, por vezes, pode significar uma experiência longa e bem dolorosa. Mas em Deus, a possibilidade de mudança é real.

Nesse sentido, me incomoda certa religiosidade excessivamente piedosa ou folclórica ou mítica, que acaba dando uma equivocada impressão sobre o sentido mais profundo da paixão de Cristo. Da mesma forma, me preocupa essa religiosidade privatista, que trata a cruz de Cristo como um amuleto, capaz de afastar toda dor e resolver nossos problemas pessoais. Esta, ao invés de favorecer a abertura ao processo de construção do Reino de Deus, de uma nova humanidade, tende a fechar o fiel em si mesmo. Além do mais, o que o Evangelho propõe não é o fim do sofrimento, mas a possibilidade de lhe atribuir um significado e de seguir a vida além dele.

Não é à toa que o papa Francisco tem conclamado à Igreja (portanto, a todo fiel cristão) para que “saia”, isto é, vá ao encontro do mundo, sobretudo daqueles que mais sofrem e que são justamente manifestação visível do Cristo crucificado. Não se trata de um empreendimento proselitista cujo propósito é trazer o mundo para dentro das estruturas da Igreja mediante a imposição de uma visão religiosa e cultural. Muito menos se trata de abrir trincheiras e se defender do mundo, considerado um inimigo a ser repelido. Mas sim do processo de transformação da realidade por meio do amor cotidiano e heroico, conforme a medida de Cristo.

O primeiro passo para compreender essa beleza que a cruz revela me parece ser o ato de fé em Deus como o verdadeiro autor de toda a transformação do ser humano que o conduz à felicidade plena. O segundo – a ser dado em cada momento presente do dia – é lançar-se a amar o próximo concretamente. De graça de Deus e dessa nossa pequena parte que nos é confiada depende nossa ressurreição cotidiana. E é essa plena ressurreição que nós da Agência de Notícias SIGNIS desejamos a você, amigo leitor! Feliz Páscoa!

 

Artigo publicado na edição de abril de 2017 da revista Cidade Nova e adaptado para o site da Agência de Notícias SIGNIS.

Sobre o autor

Luis Henrique Marques

Jornalista e editor-chefe das revistas Cidade Nova e Ekklesía Brasil, da Editora Cidade Nova. É mestre em comunicação e doutor em história pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e tem pós-doutorado em comunicação pela Faculdade Casper Líbero. Foi secretário da Diretoria da SIGNIS Brasil no triênio 2020-2022 e editor-chefe da Agência SIGNIS. Blog profissional: prof-luis-marques.webnode.com