Por e para: uma crônica didática
Dezenas de vezes dei o exemplo da mãe boa e da mãe boba para explicar aos meus estudantes estrangeiros a diferença entre as preposições por e para. A mãe boa é aquela que faz tudo pelos filhos; a mãe boba é a que faz tudo para eles.
Fazer tudo por um filho não significa apenas sacrifício, nem somente bons conselhos, menos ainda uma severidade implacável. De fato, a mãe que se sacrifica costuma estar a um passo da mãe boba, boba e deletéria, pois com frequência o sacrifício equivale a suprimir uma preciosa experiência de aprendizagem que os filhos podem fazer somente praticando sozinhos. Bons conselhos também são muitas vezes inúteis, mas ao contrário do sacrifício, um conselho muitas vezes repetido pode adquirir a força da persuasão. Nunca é demais aconselhar. Jamais é aceitável fechar os olhos diante de um erro ou de um potencial desastre. Afinal, um conselho só pode ser crível, se também for sincero. Sobre a severidade não serve gastar muito tempo, nessa época de permissividade prepotente: ao contrário, ser permissivo é outro modo de ser mãe boba.
Já tive alunos que se revoltaram com os exemplos, como se eu estivesse num estádio dizendo um palavrão. Devo ter tocado um ponto fraco: aquele que faz a gente se sentir super confortável tendo ao lado alguém sempre disposto a fazer qualquer coisa para nós – desde servir o café-da-manhã, até justificar o injustificável. Mas o mais complicado na vida real – começando pela escola, é que, ao contrário da gramática, mães bobas costumam ser boas. Mães boas nunca deixam de ser bobas. Para esses casos, a dicotomia morfológica não oferece remédio, é preciso a crônica.
A lógica da vida exige preparação, capacidade de decisão, coragem para agir: nessa ordem. Ao colocar os pés fora de casa, é preciso saber que vida não oferece atalho e a escola é uma academia onde treinamos e descobrimos os nossos melhores talentos, e onde os professores – bons e maus – são modelos de pessoas com as quais os filhos terão de se relacionar no futuro. A escola oferece o primeiro impacto com a realidade, sem a proteção da mãe, por isso é tão importante para a formação das pessoas. Trata-se de uma passagem fundamental não somente pelas noções sobre as quais estrutura os seus programas, mas principalmente pelo modo como o conhecimento é partilhado, pelas relações de autoridade ou autoritarismo, competição ou colaboração que instaura. Enfim, a escola é essencial para oferecer oportunidade de prática: decisão e ação. A escola não pode limitar a sua responsabilidade na partilha de informações, quando possui por objetivo formar pessoas e futuro.
Os pais deveriam pensar duas vezes antes de intervir na defesa incondicional dos filhos em relação aos seus professores. A escola requer contenção no nosso impulso a ser mãe boba, a fim de que nossos filhos não saiam bobinhos dessa fase tão importante do seu desenvolvimento. É que de tanto serem defendidos, os filhos não aprendem a defender-se de forma madura, inteligente. Crescem frágeis, acreditando que não serão capazes de resolver um problema com bons argumentos – o conhecimento digerido no exercício das relações interpessoais. Crescem inseguros, achando que na hora do problema podem berrar para obter ajuda – um grito que pode revelar desespero ou violência. Ou ambas as coisas: é que as pessoas agressivas também costumam ser despreparadas.
Na didática da vida, há uma boa lição para todos – e por todos também. A lição “para” revela como recebemos auxílios, instrumentos e conhecimentos para lidar com a realidade. A lição “por” é mais sutil, porém mais importante: quando trabalhamos por alguém e por uma comunidade, estamos agindo em prol de um futuro melhor. É ineficaz explicar o significado das preposições, se não sou capaz de mostrar o efeito prático do diálogo, o sentido dos gestos e do olhar, a relevância de um abraço, a necessidade de usar a palavra para se relacionar, em vez das ferramentas arcaicas e instintivas que possuímos: os berros e as agressões físicas.
Gislaine Marins
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