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Para não nos esquecermos do Haiti

A Agência SIGNIS conversou com o frei Aldir Crocoli que vive em Porto Príncipe, capital haitiana: estrangeiros – entre os quais muitos religiosos e religiosas brasileiros – permanecem sob a suspensão de ter que deixar o país a qualquer momento

Há 2 anos - por Luís Henrique Marques
Haiti: um país devastado pela corrupção, violência e pobreza
Haiti: um país devastado pela corrupção, violência e pobreza (foto por Vatican News)

            Aqui no Brasil vivemos tempos difíceis, especialmente agravados com a crise política e tudo o que deriva dela. Mas se olharmos para o contexto internacional, há nações com situações bem mais complicadas. É o caso do Haiti, o país mais pobre do continente latino-americano, cuja história, desde a sua independência política da França em 1804, é marcada por uma sucessão de crises. Atualmente, além da crise política, a crise humanitária chegou a um nível gravíssimo. Como não poderia deixar de ser diferente, quem mais paga por tudo isso é a população em geral que sofre com a ausência de condições de vida que lhe garanta o mínimo de dignidade. Falta comida, água, atendimento de saúde, transporte, entre outros serviços essenciais.

Em um comunicado recente dirigido à comunidade dos frades menores capuchinhos da Província do Rio Grande do Sul, o ministro provincial frei Nilmar Carlos Gatto sintetiza bem a realidade atual do Haiti, na qual estão imersos dois dos seus confrades. Diz ele: “[...] o país sofre com desastres naturais, como terremotos e furacões. Politicamente, está dividido e fragmentado, controlado e ‘governado’ por milícias, tendo, inclusive, recentemente, assassinado o seu presidente”. Ele explica que outro fato agravante da situação é a falta de combustível (óleo diesel), responsável por toda a geração de energia elétrica usada no país, já que o Haiti não conta com hidrelétricas e outras fontes de energia. Não fica difícil imaginar as consequências sérias disso para a vida da população, sobretudo mais pobre: é uma situação caótica.

E continua Frei Nilmar: “na capital, Porto Príncipe, as paralizações são frequentes”. Ele conta que “estradas e ruas são bloqueadas, o transporte público está quase paralisado; muitas empresas ou instituições públicas estão de portas fechadas e alguns comércios foram atacados e saqueados por manifestantes”. Além disso, “as milícias cobram pedágio” nas duas maiores entradas/saídas para a capital, situação à qual estão também sujeitos os frades capuchinhos.  Elas também cobram pedágios de casas comerciais e até de residências.

A Agência de Notícias SIGNIS conversou com um dos membros da Província Sagrado Coração de Jesus dos Frades Menores Capuchinhos do Rio Grande do Sul que está no Haiti, frei Aldir Crocoli, que corroborou essas informações do confrade ministro provincial. Frei Aldir tem 74 anos e vive em uma das residências dos frades capuchinhos localizada na periferia da capital haitiana. Além da residência onde ele se encontra e convive com mais um frade, existe outra na capital (a 1,5 km de distância) e mais 3 casas dos frades capuchinhos situadas no interior do Haiti, mais exatamente na península sul: em Béraud, Abacou e Lhomond. Atualmente, a congregação conta com 16 religiosos no país caribenho. Embora não tenha números exatos, frei Aldir afirma que, somados religiosos e religiosas, é significativa a presença de brasileiros de diferentes congregações no Haiti (seguramente mais de 30). Os capuchinhos especificamente chegaram ali em 2008 e têm atuado, sobretudo, em paróquias.

Frei Aldir enfatizou que os religiosos não correm riscos diretamente, embora reconheça que seu trabalho e condições de vida estejam bem limitados por toda a situação que o país passa. Nesse sentido, ele admite até a possibilidade de, de uma hora para a outra, os frades terem que deixar o país, caso sua permanência no Haiti implique riscos maiores. A própria embaixada brasileira no país já os alertou sobre essa possibilidade, uma vez que ninguém tem como prever o andamento dos acontecimentos. O religioso admitiu, a propósito, que existe o risco de sequestros, protagonizados pelas gangues, os quais, segundo ele, são mais iminentes para estrangeiros que vivem na região central de Porto Príncipe, porque as gangues sabem que são sustentados desde o estrangeiro e assim podem pedir altos resgates. 

Ainda assim, os frades seguem buscando realizar o seu trabalho. “Frei Lori”, escreveu o ministro providencial, “com coragem e muito esforço, leva em frente a conclusão de uma casa de formação na localidade de Belabe – Béraud, no sul do país”. Essa obra que teve que ser paralisada, em razão da situação atual do país, “servirá como espaço de sustentação econômica, através da locação a outra congregações e dioceses para a realização de encontros e retiros”.

Para o Frei Aldir, um dos pivôs dessa crise é o próprio governo atual que assumiu o poder após o assassinato do último presidente eleito, Jovenel Moïse, em julho de 2021. Desde que isso aconteceu, novas eleições não foram marcadas quando deveriam ter acontecido no final do ano de 2020. Ao mesmo tempo, o governo que deveria ser provisório espera intervenção das Forças Armadas da Organização das Nações Unidas (ONU), o que é motivo de controvérsia junto à opinião pública em geral, uma vez que as experiências anteriores de intervenção no Haiti foram consideradas “desastrosas”, argumenta o religioso. O frade reconhece que é difícil manter a esperança diante de um quadro como esse, onde o poder judiciário é corrompido, a câmara dos deputados caducou, a polícia está imiscuída com a milícia, etc.

Diante disso, permanece o apelo do frei Nilmar Gatto pelos frades e, sobretudo, “pelo povo haitiano, para que esta crise seja solucionada e para que as autoridades internacionais tenham um olhar misericordioso e estendam as mãos para ajudá-los”, conclui o ministro provincial. Com efeito, o ato de rezar por essas intenções é um dos passos importantes para não se esquecer o que acontece com o povo do Haiti.  

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