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"Quem cuida precisa de cuidados": o desafio dos padres para cumprir o ministério e manter a saúde mental

Formador alerta sobre a necessidade de começar a pensar e superar as lacunas para uma vida presbiteral saudável já no seminário.

Há 3 anos - por Cléo Nascimento
"Quem cuida precisa de cuidados": o desafio dos padres para cumprir o ministério e manter a saúde mental
Com origem no latim, padre quer dizer "pai". Imagine um pai na administração de uma casa, tendo que lidar com finanças, conflitos, alimentar, socorrer aqueles que mais precisam, ouvir e dar conselhos. No fim, todas essas responsabilidades se resumem em cuidado. No caso do padre, essa família pode ter a dimensão de uma comunidade e gerenciar essa grande casa pode causar muito desgaste, refletindo diretamente em sua saúde mental .
 
Mas, afinal, quem cuida do presbítero quando ele precisa? O presidente da Organização dos Seminários e Institutos do Brasil (OSIB) Leste 2, Pe. Euder Daniane, explica: "A gente costuma dizer que o padre é um homem que cura, por causa do cuidado. Mas, o homem que cuida também é ferido, ele também precisa ser cuidado. E é claro, ele precisa ser cuidado pela própria Igreja, pelos irmãos presbíteros, dentro da sua diocese, ter o cultivo da pastoral presbiteral".
 
Pe. Euder é um dos organizadores da 41ª Assembleia Regional da OSIB Leste 2 que, entre 18 e 20 de outubro, vai refletir justamente sobre as lacunas que precisam ser superadas já no processo de formação para uma vida sacerdotal saudável. Ele destaca que o intuito é ajudar formadores a serem colaboradores dos seminaristas, percebendo a importância de trabalhar todas as dimensões da vida, inclusive, da saúde.
 
"Por exemplo, um presbítero que não cuida da própria saúde. Às vezes, ele entende de tal modo a Consagração que acredita que não pode dar tempo para si mesmo. Não faz um esporte, não faz um exame de saúde, não faz um check-up. São coisas simples, mas que acontecem e, infelizmente, geram com o tempo um desgaste emocional, psíquico e espiritual", diz o padre.
 

O impacto da pandemia

 
É verdade que quem tem alguma função cuidadora sentiu ainda mais os efeitos da pandemia. Nesse grupo estão, por exemplo, mães e pais, profissionais de saúde, professores e também os religiosos.
 
Há 11 anos atendendo esse público, o psicólogo Eduardo Galindo, revela que ainda é muito baixa a procura por um atendimento especializado: "infelizmente, é um preconceito também com o sacerdote". Ele conta que, como a maior parte das pessoas, a construção da consciência da necessidade de ajuda passa por algumas etapas e a primeira é a resistência, que muitas vezes só é quebrada pela intervenção de alguém próximo como um amigo, um familiar e nem sempre o padre dispõe de pessoas próximas que o conheçam a esse ponto. Além do mais, existe a hierarquia.
 
"Mesmo se alguém da comunidade perceber, não consegue falar com sacerdote por questão da autoridade, dessa hierarquia que tem. Então, é como se mantivesse uma distância entre sacerdote e o próprio leigo", explica.
 
A pandemia só acentuou uma situação que já existia: "As principais queixas que eu estou atendendo são o estresse, uma preocupação em manter a paróquia, de saúde, muitos sacerdotes também ajudam a própria família...".
 
Além disso, tem também a adaptação ao novo formato de atendimento e acolhida ao povo. Por exemplo, a celebração das missas. Se antes o padre conhecia muito bem o povo para a qual estava falando, com as celebrações online ele se vê obrigado a ajustar sua comunicação par alcançar um novo público. Do ponto de vista da missão, podemos dizer que a estratégia é excelente. Mas, se considerarmos as demandas para que isso aconteça, vamos entender a sobrecarga sobre ele, desde preparar uma homilia mais direcionada, mais ampla, até pensar nos recursos técnicos para que isso aconteça.
 
Pe. Euder relata que, sobre a questão do conteúdo, existe, inclusive, uma preocupação do padre sobre como suas palavras serão interpretadas para além do círculo de sua comunidade, onde ele já está acostumado: "eu sinto que há, da parte de muitos, um certo esgotamento e eu acho que esse esgotamento está muito ligado também ao tempo confuso que nós vivemos. Por exemplo, essa polarização que tem tomado conta da Igreja, em todos os âmbitos, existe uma falta de credibilidade às vezes do próprio ministério por causa dessas polarizações. Então, eu vejo que isso tudo impacta na vida presbiteral e na saúde do presbítero".
 

O Cansaço e a Solidão

 
Pe. Euder conta que um dos motivos que despertou seu interesse sobre a discussão em assembleia foi perceber um aumento no pedido de afastamento de presbíteros por uma série de motivos, mas especialmente o cansaço: "Eu sinto que há, da parte de muitos, um certo esgotamento e eu acho que esse esgotamento está muito ligado também ao tempo confuso que nós vivemos".
 
Toda essa situação de estresse pode levar a um outro problema mais grave: o alcoolismo. Galindo explica que, o fenômeno é recorrente e, na maioria das vezes, está relacionado à vida solitária deste homem: "Infelizmente, o álcool pode se tornar um substituto para a própria solidão do padre e um caminho de muito sofrimento".
 

E a comunidade, como pode ajudar?

 
Acontece que nem sempre os paroquianos percebem essa necessidade de forma clara. Segundo o psicólogo Eduardo Galindo, ainda existe o pensamento de que o pároco vai resolver seus problemas através da fé e espiritualidade. Mas o padre tem problemas práticos e cotidianos como qualquer outra pessoa, e é aí que a comunidade pode entrar como uma rede de apoio: aproximando-se dele, observando suas preocupações e contribuindo para amenizá-las.
 
"A consciência dos paroquianos sobre a importância do dízimo, contribuindo periodicamente, isso já faz uma diferença. Justamente nesse momento, a paróquia mais necessita desse auxílio para suas questões de atendimento social, para cumprir com os compromissos financeiros, como pagamento de funcionários, conta de luz, telefone, taxas...", orienta Galindo.
 
Ainda sobre a dimensão comunitária, Pe. Euder Daniane esclarece que está presente nos documentos da Igreja, como a Nova Ratio (Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis) e no documento 110 da CNBB (Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil).
 
"Essa é uma das coisas bonitas dos documentos da Igreja sobre a formação, esse eixo comunitário. Exatamente para entender já na comunidade do seminário a importância e o valor da comunidade. Depois, passando isso para o ministério sacerdotal entendendo a importância da comunidade presbiteral. E, por fim, uma fraternidade presbiteral saudável contribuirá também para uma comunidade eclesial saudável", diz o formador.

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