Uma comunicação capaz de integrar
MUTICOM 2021 - O professor Massimo de Felice refletiu sobre comunicação integral e ecossistemas
Cinco salas, com capacidade para mil pessoas cada, num total de mais de cinco mil inscritos. Esses números expressivos correspondem ao quadro dos participantes do Mutirão de Comunicação (Muticom) 2021, que aconteceu nos dias 23 e 24 de julho. O evento foi realizado de forma híbrida, tendo como base de transmissão a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, em Belo Horizonte, à qual estavam conectados conferencistas e participantes de todos os cantos do País. É o que poderíamos chamar de um pequeno ecossistema comunicacional integrado, constituído de humanos e não humanos, diria o professor Massimo di Felice, responsável por ministrar a palestra magna, na abertura do Muticom. Docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), Di Felice apresentou o tema Por uma comunicação integral: o humano nos novos ecossistemas.
A argumentação do professor Di Felice parece encontrar síntese na reflexão do papa Francisco apresentada n. 138 da Laudato SÍ: “Nunca é demais insistir que tudo está interligado. O tempo e o espaço não são independentes entre si; nem os próprios átomos ou as partículas subatómicas se podem considerar separadamente”. Para dar conta dessa integralidade promovida pelo ecossistema comunicacional, o professor trouxe à reflexão uma série de argumentos, entre os quais, o protagonismo dos não humanos e o fim de um tipo de mundo; a realidade da conectividade e a crise da ideia ocidental de sociedade; a data ecology (os ecossistemas digitais e a ecologia) pelo qual se dá a possibilidade de, com o avanço tecnológico, integrar, analisar, visualizar e coletar melhores informações sobre os diferentes ecossistemas e fazê-lo valendo-se de dados variados e em altíssima velocidade; a comunicação biosférica e os “comunitarismo datificado” (a comunicação não humana).
“Os cientistas nos alertam há tempo sobre o risco que as próximas gerações têm de não encontrarem em nosso planeta as condições idôneas para sobreviver, para se perpetuar como espécie.”
O professor ressaltou que “as transformações tecnológicas não podem ser abordadas de um único campo disciplinar, mas, para ser entendidas, devem inevitavelmente unir as diferentes disciplinas para procurar entender e compreender as qualidades que essas transformações, há diversos anos, produzem em todos os setores da sociedade”.
Di Felice apontou para o elemento espanto e para o desafio de compreensão integral para entender o conjunto de mudanças que vivemos e que marcam o horizonte do nosso tempo. Os motivos da indefinição ante esse quadro de mudanças têm diversas causas e explicações, argumenta o pesquisador. Isso tem implicações na redefinição do próprio cotidiano das pessoas, o que recentemente tem se dado não só pela pandemia de Covid-19 como em razão de grandes eventos climáticos. “Assim, como as reviravoltas repentinas das economias graças aos mercados financeiros e em por conta das contínuas e impactantes inovações tecnológicas”, completou. Tudo isso nos provoca um sentimento de insegurança e de impotência.
Para o professor, a chegada do terceiro milênio coincide com a ameaça da possível extinção das futuras gerações da nossa espécie. “Os cientistas nos alertam há tempo sobre o risco que as próximas gerações têm de não encontrarem em nosso planeta as condições idôneas para sobreviver, para se perpetuar como espécie.”
Nesse sentido, Massimo di Felici explicou o que quis dizer com o fim do mundo. Ele disse que se refere ao “fim do nosso mundo”, assim como esse foi concebido no Ocidente, a partir o pensamento filosófico da Grécia Antiga, o que significa que essa expressão não quer dizer o fim do planeta, mas de um paradigma de vida já inviável. Esse é baseado na arquitetura da pólis, que concebe as relações com a natureza apenas em função do ser humano, ao contrário de entender a vida humana nas suas plenas relações, entre as quais aquela com o meio ambiente. Pelo modelo atual de sociedade, cuja visão instrumental da natureza foi aprofundada pelo paradigma neoliberal, a vida humana e suas relações passaram a ser encaradas de forma fragmentada e ensimesmada. De fato, desde a polis grega, não só os seres humanos são concebidos separados da natureza como estratificados entre si. “Esta tradição chega até a época moderna, obviamente passando por inúmeras transformações, mas mantendo uma linguagem expressa pelas mesmas palavras”, afirma Di Felice.
Fundamentando sua argumentação, entre outros textos, como o número 16 da Laudato Si’, para o professor, “tudo está estreitamente interligado no mundo”, o que tem implicações para a chamada comunicação biosférica, isto é, nas relações entre humano e não humano dentro dos processos comunicacionais. Por fim, Di Felice fez referência à dimensão simpoiética que forja interações colaborativas e recíprocas na contramão de uma perspectiva exclusivamente antropocêntrica. Nisso reside o fundamento de uma comunicação integral e integralizadora.
Em breve disponibilizaremos a transcrição, na íntegra, da palestra do professor Massimo de Felici.
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