Novos paradigmas de vida pedem novas utopias

A última conferência prevista na programação do Mutirão Brasileiro de Comunicação (Muticom) deste ano foi confiada ao professor Carlos Ferraro, presidente da SIGNIS América Latina e Caribe, cujo tema foi “Utopias do mundo integral”. Seu argumento central foi: para a construção de novos modelos de vida, o mundo atual pede novas utopias; cabem aos cristãos assumi-las e doá-las de modo tornar a existência humana viável para as próximas gerações. Nesse sentido, as abordagens de comunicação inspiradas no Evangelho são fundamentais nesse processo.

O docente argentino Carlos Ferraro se propôs a fazer uma reflexão sem pretensões acadêmicas, mas baseada na leitura que as experiências da SIGNIS ALC – à qual está associada a SIGNIS Brasil – lhe permitem hoje. Ele começou propondo justamente uma compreensão fundamental do que é utopia. Esse é um conceito recorrente na história do cristianismo, mas que passou a ser desacreditado com o advento da filosofia neoliberal, afirmou.

...a utopia cristã aponta para uma visão integral da vida humana, fundamentada em relações fraternas e equilibradas da pessoa consigo mesmo, com o semelhante, com o sagrado e com a natureza

De acordo com Ferraro, a utopia compreende a “crítica do que existe e uma proposta do que deveria existir” (isso acontece diante da sede de justiça e de mudança de uma realidade); “tensão entre a realidade atual e um paradigma do futuro” (o mundo só pode mudar se pautar-se numa nova lógica, capaz de construir um novo modelo de vida), e “a necessidade de esperança (combustível para promover essas mudanças).

A utopia cristã

Tomando por base os textos das cartas encíclicas Laudato Si’ e Fratelli Tutti, do papa Francisco, o professor Ferraro disse ser o cristianismo capaz de oferecer novas utopias para o mundo de hoje, capaz de mover a humanidade a um novo estilo de vida, pelo qual todas as pessoas, sem exceções, são reconhecidas filhas de Deus e irmãs entre si. Disso, aliás, provém a dignidade humana. Essa perspectiva implica, naturalmente, superar toda série de problemas que afetam a humanidade, tais como a desigualdade econômica e social, a falta de liberdade, a violência, racismo, a violência, direitos fundamentais ignorados ou violados, a desinformação, entre outros.

Nesse sentido, o núcleo utópico da proposta de Francisco começa com a superação das injustiças sociais, conforme diagnóstico apresentado nessas duas encíclicas. O passo seguinte é adquirir novas maneiras de pensar, de agir, de produzir e consumir, argumentou o professor. Nesse sentido, a utopia cristã aponta para uma visão integral da vida humana, fundamentada em relações fraternas e equilibradas da pessoa consigo mesmo, com o semelhante, com o sagrado e com a natureza.

Bem-viver e Educomunicação

Como opções concretas, que convergem com a utopia de Francisco, Carlos Ferraro fez um breve relato sobre duas experiências que, segundo o professor, apontam para alternativas viáveis nesse processo de construção de um novo paradigma de vida, capaz de ser alternativa ao modelo neoliberal. O primeiro deles é o chamado Bem-viver/Conviver bem, inspirado no estilo de vida dos povos originários da América Latina. Ele considerada uma experiência interrompida pelo processo de colonização. O Bem-viver tem como princípios fundamentais a perspectiva comunitária (“se um ganha ou perde, todos ganhamos ou perdemos”) e uma vida de equilíbrio e harmonia, baseada no respeito à vida como um todo, da qual somos parte e com a qual temos o compromisso do cuidado. Para o professor, as experiências que têm sido realizadas no Equador e na Bolívia – e estão previstas em suas Constituições Nacionais – são referências concretas de aplicação do Bem-viver.

Outra perspectiva utópica é a Educomunicação. Ferraro afirmou que existem muitas compreensões diferentes sobre esse conceito. Em sua conferência no Muticom, ele optou por aquela que se encontra com a definição do pesquisador brasileiro Ismar de Oliveira Soares, cujas ideias se inspiram no pensamento do educador Paulo Freire: “Educomunicação é um conjunto de ações que um grupo de pessoas desenvolve intencionalmente para promover ecossistemas comunicativos abertos, francos, democráticos e participativos”. Nesse sentido, a Educomunicação – cuja experiência concreta mais significativa tem referência na comunicação popular – contribui para a formação de um “sujeito cidadão que atua na construção de uma sociedade democrática, participativa, propositiva, que não parte de uma perspectiva individual, mas comunitária”.

Ações concretas

Carlos Ferraro fez ainda uma leitura do momento atual, dentro da chamada Era Digital, em que a supervalorização da informação e dos dados, sob o domínio de poucos (com a chamada Big Data e Inteligência Artificial) promove um impacto negativo sobre o nosso comportamento cultural, o que compromete a construção de um novo paradigma de vida. Segmentação (divisão) dos públicos, manipulação das informações, orientação de comportamentos para uma atitude consumista e, mais ainda, para uma postura fechada nas próprias preferências são algumas das consequências desse impacto, agravadas com o advento da pandemia de Covid-19.

Ante esse quadro, o professor Ferraro elencou iniciativas da SIGNIS ALC que têm buscado ser uma contribuição efetiva em favor da realização dessa utopia cristã. Uma dessas ações é o Programa Embaixadores Laudato Si’, destinado a estimular a consciência dessa utopia cristã em jovens comunicadores profissionais. A segunda é o Programa Bem-viver/Conviver bem, voltado a reconhecer iniciativas comunicativas que promovem essa cosmovisão e a terceira ação é o Programa de Educomunicação, que atualmente corresponde a um curso de um ano para jovens comunicadores na área digital e que deve culminar com a criação de uma webrádio. Em todos esses projetos, a SIGNIS Brasil conta com representação.