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Comunicador cristão tem obrigação de combater notícias falsas e fundamentalismos

MUTICOM 2021 - Para a pesquisadora Magali Cunha, mídias sociais são protagonizadas por ultraconservadores e que é preciso disputar esse espaço para uma sociedade mais saudável e justa

Há 3 anos - por Karla Maria
Comunicador cristão tem obrigação de combater notícias falsas e fundamentalismos
(foto por Karla Maria)

Quais são os desafios dos comunicadores que anunciam a Boa Nova, a verdade? Daqueles que defendem a vida com dignidade em um cenário de avanço e protagonismo de discursos odiosos, fundamentalismos religiosos? E mais, quais os compromissos desses comunicadores? Há compromissos? Magali do Nascimento Cunha, jornalista, pesquisadora e doutora em ciências da comunicação, respondeu a tais perguntas em sua palestra “Comunicação para a paz em tempos de fake news e ultraconservadorismo”, proferida na primeira noite de trabalhos do Mutirão de Comunicação (Muticom) 2021. 

Cristã metodista, colunista da revista Carta Capital e editora-geral do Coletivo Bereia, um canal que checa notícias falsas e educa pessoas e grupos para uma consciência mais crítica na leitura dos fatos, Magali partiu de um diagnóstico: as mídias noticiosas religiosas são “espaços de predomínio do apoio a propostas sociais reacionárias que têm a ver com esse ultraconservadorismo”.

A informação da pesquisadora se baseia no quadro de avanço dos fundamentalismos político-religiosos. “Temos no século 21 o fortalecimento e uma visibilidade de lideranças fundamentalistas católicas e evangélicas nas mídias religiosas e não-religiosas”, comentou.

“O fundamentalismo religioso que nasce nos Estados Unidos no século 20 é caracterizado por um apelo ao conservar princípios da fé cristã que ali, naquele momento, eram considerados intocáveis, imutáveis, e que nenhum estudo teológico, científico deveria mudar [...] Mas dali, daquela experiência, esses fundamentos que eram baseados na Bíblia foram ao longo do século 20 se ampliando para fundamentos que estavam para além de elementos clássicos da fé cristã e acabaram se misturando com questões da vida cultural”, contextualizou a professora.

Aquele fundamentalismo religioso nos Estados Unidos, no século 20, passou a rebater avanços da sociedade, como o desenvolvimento da ciência, a conquista do voto da mulher e a luta do movimento negro pelos direitos civis e contra o racismo, como se fossem uma ameaça para a fé cristã. Tal fundamentalismo foi ganhando força, poder político e se espalhando, até chegar ao catolicismo. “Vemos nesse quadro um fortalecimento e visibilidade de lideranças que abraçaram essa dimensão fundamentalista da fé e elas estão presentes na Igreja Católica, nas igrejas evangélicas tradicionais, pentecostais, estão nas mídias religiosas e não-religiosas”.

Tal fortalecimento, segundo Magali, alcançou os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário reagindo a tudo que signifique mudanças e avanços sociais, abraçando uma pauta econômica liberal e trazendo para as Igrejas um discurso religioso de conteúdo econômico neoliberal, que a professora denominou de Teologia da Prosperidade. Nela, Deus abençoa as pessoas de acordo com a capacidade de acúmulo patrimonial. “Essa é uma teologia que cresce junto ao neoliberalismo”, e nessa prática há o reforço do individualismo, da competição, contrariando valores evangélicos que priorizam o nós, a partilha.

Magali também destacou que nunca se usou tanto o nome de Deus no mundo político brasileiro, ao nomear os seis ministros de Estado que são cristãos e que se utilizam das mídias sociais para propagar seus discursos religiosos muito mais na esfera moralista do que da prática, dissonando-se das de Jesus Cristo.

 

“Temos em curso, nas nossas mídias, um grande pânico moral em defesa da família..."

 

São eles “o terrivelmente evangélico” presbiteriano André Mendonça, indicado a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), Milton Ribeiro, também presbiteriano, os batistas Damares Alves, Fábio Faria e Luiz Eduardo Ramos, o luterano Onyx Lorenzoni, além dos ex-ministros Marcelo Alvaro Antonio, membro da Igreja Cristã Maranata, e os católicos Ernesto Araújo e Abraham Weintraub. “Essas pessoas estão ou estiveram no governo federal trazendo a identidade religiosa para suas ações. Agem com essa identidade, isso é algo a se observar”, apontou Magali, lembrando a presença de líderes religiosos também na condução da Operação Lava Jato, como o procurador federal Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa no Ministério Público Federal do Paraná (MPF-PR). Ele é membro da Igreja Batista do Bacacheri, em Curitiba.  

“Depois descobrimos que a Lava Jato tinha muitas ilegalidades”, afirmou a professora. “Nesse quadro as mídias se tornam uma arena de visibilidade e colocam os cristãos em uma esfera de visibilidade pública com muita força”. E é neste espaço – mídias – que as discussões políticas têm se desenvolvido com mais intensidade, e por que não dizer intolerância, ignorância e violência.

Protagonismos e invisibilidades

A professora destacou que o protagonismo dos fundamentalismos nas mídias acaba que invisibilizando as pautas não-fundamentalistas. “Quantas notícias sobre o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) vocês encontram viralizadas? Não encontramos. Esses grupos com a vertente mais progressista e comprometida acabam ficando invisíveis. Temos na verdade uma minoria de cristãos progressistas que ocupam as mídias digitais e tem esse espaço midiático como a maior expressão no tempo presente”.

Magali afirmou que as mídias digitais são, neste momento, ambiente de ação contra-hegemônica dos grupos progressistas tanto na esfera política quanto no cenário cristão brasileiro. Nessa arena de ativismo religioso, a cientista destaca que a desinformação acaba se tornando ferramenta para a promoção do “pânico moral” e usando a retórica do medo e gerando insegurança nas pessoas. “Temos em curso, nas nossas mídias, um grande pânico moral em defesa da família, em torno dos filhos das famílias como núcleos que estariam em risco por conta de uma agenda política de igualdade de direitos sexuais que alguém diz ‘não ser bom e que é necessário fazer alguma coisa sobre isso’. E fazem. Transformam em elementos de memes, cards, notícias falsas com mensagens alarmistas.”

 

“É preciso inserir profundidade comprometida com os valores da fé cristã, mas não só, é preciso compreender como opera o mundo digital para ser presença estratégica nele”.

 

Assim, as mídias passam a ser usadas nos mais diversos formatos para a invenção de notícias falsas, as fake news, para a manutenção de uma sociedade cada vez mais fundamentalista e avessa ao avanço de uma agenda com políticas de igualdade de gênero, por exemplo.  “O conteúdo falso que colocam na internet, as fake news, é feito para gerar a desestabilização das pessoas, para gerar pânico, medo, terror e interferir nas pautas políticas”, explicou a professora trazendo o conceito de desinformação que a Comissão Europeia teve de elaborar em 2018, um Plano de Ação Contra a Desinformação que impactou no Brexit, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia.

“Informação comprovadamente falsa ou enganadora que é criada, apresentada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente, podendo prejudicar o interesse público”. Assim a pesquisadora definiu o conceito de fake News. O prejuízo aconteceu. Na ocasião, em 2017, a avalanche de mentiras e discursos de ódio compartilhados na sociedade britânica não só colocou os imigrantes como inimigos e causadores de todo o mal no Reino Unido, como os classificou como alvo ameaçador dos ultraconservadores britânicos.

No Brasil, para além da eleição de autoridades políticas com discursos religiosos a partir da disseminação de mentiras que disseminaram pânico nas famílias, a própria Igreja Católica foi vítima entre os seus da disseminação de inverdades sobre a Campanha da Fraternidade Ecumênica (CFE) 2021. “Este é um exemplo de como os fundamentalismos atuam. Houve uma reação negativa à CFE por ser uma campanha que traz as igrejas em unidade. Havia uma palavra ou outra no documento que as pessoas não gostaram e fizeram um alarme enorme, criando pânico de que a Igreja estaria sendo destruída. Foi um momento muito triste. Trouxe divisão e a gente acredita que todo tipo de divisão é maligna e não contribui em nada para a realidade da Igreja”

O que fazer diante desta realidade?

Não por acaso Magali é diretora-geral do Coletivo Bereia, cujo nome tem um caráter simbólico e até pedagógico para os que conhecem o livro de Atos dos Apóstolos (17.10-15). Lá em Bereia, na Grécia, em uma sinagoga judaica, Paulo, o grande comunicador da Igreja, e seus companheiros elogiaram homens e mulheres que mantiveram não apenas uma abertura ao ouvir as Escrituras, mas também ao examiná-la.

“Os judeus que moravam em Bereia tinham a mente mais aberta que os de Tessalônica e ouviram a mensagem de Paulo com grande interesse. Todos os dias examinavam as Escrituras para ver se Paulo e Silas ensinavam a verdade. Como resultado, muitos judeus creram, assim como vários gregos de alta posição, tanto homens como mulheres”, explica o coletivo em seu site.

Examinar, pois, textos, imagens e vídeos com sabedoria e comprometimento é o primeiro passo para a construção de uma comunicação de paz. “É preciso inserir profundidade comprometida com os valores da fé cristã, mas não só, é preciso compreender como opera o mundo digital para ser presença estratégica nele”.

A professora desafiou aos comunicadores que contribuam para que grupos dentro e fora das organizações religiosas compreendam adequadamente o papel da religião e sua relação com a sociedade, que retomem a formação para o pensamento crítico e desnudem o campo ultraconservador e seus fundamentalismos.

Sugestões práticas da professora:

  1. Considerar as emoções e novas linguagens na organização da vida social;
  2. Educar para uma participação cidadã e humanizada nas mídias e para o enfrentamento da desinformação;
  3. Fortalecer projetos de comunicação alternativa como o Coletivo Bereia - coletivobereia.com.br.

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