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“Pensemos na vitória do Brasil, mais do que na vitória do ‘meu’ governante ou do ‘meu’ partido”

Em entrevista à Agência SIGNIS, o cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer aponta para aquilo que mais conta no próximo processo eleitoral, buscando deixar claro qual é o papel da Igreja nesse contexto do jogo político

Há 2 anos - por Luís Henrique Marques
Dom Odilo Scherer: "Fixar-se quase que exclusivamente no presidente pode desviar a atenção de outros aspectos importantes dessa eleição"
Dom Odilo Scherer: "Fixar-se quase que exclusivamente no presidente pode desviar a atenção de outros aspectos importantes dessa eleição" (foto por Luciney Martins)

Voltamos à série de entrevistas programada pela Agência de Notícias SIGNIS sobre o atual momento político brasileiro, tendo em vista as eleições majoritárias deste ano. O nosso entrevistado é o cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo. A exemplo das demais entrevistas feitas nessa série até aqui, dom Odilo respondeu questões que envolvem temas recorrentes em um processo eleitoral como as principais demandas da população a serem atendidas pelos novos governos federal, estaduais e municipais e as exigências quanto ao perfil de candidatos realmente comprometidos com a coisa pública. O líder de uma das principais arquidioceses do País refletiu também sobre diálogo e polarização e sobre as relações entre religião e política, questões que embora não inéditas, ganharam mais força no cenário político brasileiro atual. Leia a seguir a entrevista:

 

Qual a avaliação que o você faz do quadro político partidário atual do Brasil hoje?

É um quadro político pouco claro, demasiadamente fixado na eleição presidencial, enquanto temos governadores, senadores, deputados federais e estaduais e desses ainda quase não se fala. Isso pode significar um grande risco, porque o presidente não governa sozinho. Os eleitores precisam estar muito antenados sobre a eleição dos parlamentares e governadores para o conjunto da vida política. Fixar-se quase que exclusivamente no presidente pode desviar a atenção de outros aspectos importantes dessa eleição. Portanto, por enquanto, me parece um quadro desfocado, que não traz o foco completo das eleições. Depois, é um quadro polarizado, que não oferece grande chance de alternativa. Das últimas eleições majoritárias, há quatro anos, estamos no “mais do mesmo” e com o risco de aprofundamento ulterior das divisões e dos antagonismos exclusivistas, o que não é bom para a convivência. Então, eu vejo ainda o quadro nebuloso e, de certa forma, preocupante, porque estamos a quatro meses das eleições e não creio que, daqui para frente, vai ter muito milagre. Por isso, vamos ter que tentar fazer o melhor possível a partir que temos aí.

 

Quais as principais demandas sociais, econômicas, políticas e culturais para as quais os candidatos ao Executivo e Legislativo federal devem ter maior atenção hoje, segundo a sua avaliação?

É até difícil de dizer, mas o Brasil está mergulhando de novo num quadro preocupante de pobreza e de fome. Então, os governantes em todos os níveis e não só do Executivo, mas também do parlamento, deveriam se preocupar muito em promover políticas que se voltem para essa situação da população mais carente, de maneira a criar oportunidades de trabalho, para que as famílias não fiquem dependentes apenas de benefícios públicos, mas que possam ter autonomia através de um trabalho digno, suficientemente bem remunerado. Portanto, manter a política funcionando numa orientação que beneficie a população, sobretudo a mais carente, que precisa ser incluída no mercado de trabalho para poder ter acesso ao consumo daqueles bens necessários para uma vida digna. O segundo quadro preocupante, sem dúvida, continua sendo a questão da educação e da saúde. São quadros que sempre necessitam de grande investimento e de uma orientação clara da política. Penso que é importante preocupar-se com as ciências de ponta, mas não deixar daquelas situações que exigem o “básico do básico”. Muitas vezes, falta na saúde e na educação esse “básico do básico”. Terceiro: é fundamental que se pense seriamente em soluções para uma política habitacional, isto é, criar habitações, facilitar o acesso a moradias dignas. Esse é um quadro, diria, até vergonhoso para o Brasil, um país que tem uma economia forte de um lado, mas, ao mesmo tempo, tantas pessoas vivem em condições subumanas, com moradias extremamente precárias. Há ainda situações que decorrem do conjunto dessas carências como a violência, descontrole da segurança pública e que são questões fundamentais que os governantes precisam atender. Eles devem estar atentos a necessidades da população em geral e não apenas salvaguardar privilégios daqueles que já são privilegiados.  

 

Quais caraterísticas fundamentais o eleitor deve considerar na escolha dos seus candidatos?

Acredito que isso já faz parte do inconsciente coletivo e que se espera do político: honestidade, porque lida com o dinheiro público; deve administrar o bem público em função do bem de todos e não para privilegiar alguns ou desviar para os canais de corrupção. Então, a questão da honestidade é fundamental. Segundo: deve ser alguém que tenha capacidades. Muitas capacidades são requeridas. Deve ter capacidade pessoal de reunir uma boa equipe, porque o governante não governa sozinho; de costurar alianças políticas necessárias para governar e para aprovar medidas importantes. Terceiro: precisa ser alguém que tenha postura. O governante é representante do povo; precisa ter postura pessoal que dignifique o cargo, aquilo que ele representa, o eleitor, a nação. Enfim, alguém que tenha autonomia e não seja facilmente envolvido no enredo de influências que o amarram e não lhe deixam liberdade para governar. Então, tem que ter personalidade suficiente para poder governar com dignidade, honestidade e segundo prioridades realmente reconhecidas e que beneficiem a população em geral, sobretudo, a mais carente.

 

As eleições deste ano correm o risco de intensificar ainda mais a polarização político-ideológica no Brasil. Como encarar esse processo com sobriedade?

Aqui é preciso serenar um pouco os ânimos e pensar que o adversário político ou quem não é do meu partido ou grupo não é o meu inimigo. Com as pessoas que pensam politicamente de forma diferente, que têm outra opção partidária, temos que conviver todos os dias e, portanto, que haja o respeito pelas escolhas políticas de cada um, mesmo que não concordemos com elas. E que cada um saiba afirmar com dignidade e respeito pelos outros a próprias opções políticas. Enfim, o diálogo se dá dessa maneira. Que não se pretenda, mediante o debate político, aniquilar o adversário como se fosse um inimigo. Eu acho que na vida política os adversários devem, no fim, acabar somando. Também quem vai ficar na oposição deverá contribuir para o bem do país, do povo em geral. Não se trata simplesmente de governar para os próprios correligionários; tem que se governar para o todo país. Então, tem que serenar os ânimos e aceitar o jogo democrático. No jogo democrático, as eleições definem que alguém ganha e alguém perde. Reconhecido isso, se segue em frente, a vida continua: as cidades se organizam, os partidos se organizam, os grupos se organizam e, quem sabe, quem perdeu ganha na próxima. Mas é importante também que, quem ganha, possa governar. Não dá para passar todo um mandato com o governo impossibilitado por conta das oposições intransigentes, que fazem a oposição pela oposição, preocupados em derrubar o governante ou tornar a vida dele difícil. Quem perde com isso é o Brasil, é o povo brasileiro. Então, é preciso ter mais senso democrático, senso de tolerância na convivência política. Enfim, ter em mente que, nesse jogo político, é importante todos participarem. É claro que nem todos podem ganhar, mas no fim todos serão beneficiados se se escolhe bem e, depois, se se colabora estando também na oposição, fiscalizando e fazendo a crítica capaz de favorecer a governabilidade, tendo em vista as metas que são prioritárias.   

 

A Igreja sempre recomenda o diálogo como recurso para o debate político. Como se comportar com quem nega o diálogo?

Com quem não quer dialogar, se deve tentar o diálogo sempre, pois, quem sabe, uma brecha se abre. Agora, não havendo o desejo de dialogar, se confirma um monólogo: temos que deixar a pessoa falando sozinha e tentar o diálogo com outros. É o que devemos fazer. Não tem outro jeito.

 

A relação política e religião é inevitável. O que o Sr. considera importante para que essa relação possa ser saudável?

O cidadão político, participante da vida pública, da vida da cidade, da vida comunitária, é também o cidadão religioso. Portanto, não dá para separar, no mesmo cidadão, as duas dimensões. Aqui, é preciso distinguir duas coisas: a religião em si não pode estar alheia à dimensão política da convivência. Tudo acaba se tornando ou tendo uma dimensão política, porém usar a religião em função da conquista do poder ou o poder usar a religião em função da imposição de uma ideologia, isso seria muito ruim e perigoso para a própria religião, porque as ideologias, partidos e governantes passam. Se uma religião ou uma Igreja se deixar manipular por um governante ou partido, o que sobra depois? Partido se vai e se cria outro. A religião continua, ainda que saia em frangalhos. Vamos agora falar muito claramente sobre a nossa Igreja Católica Apostólica Romana: o cidadão católico é também o cidadão político. As convicções religiosas dele evidentemente influenciam e devem influenciar as suas escolhas políticas, porque as convicções religiosas têm profundidade, têm sentido. Por isso mesmo elas também ajudam a fazer o discernimento sobre a vida política. Porém, não só não é aconselhado como é indevido usar a estrutura da Igreja, a estrutura religiosa para o acesso ao poder partidário ou a cargos públicos. A Igreja sempre saiu perdendo quando ela se aliou a um partido ou a uma ideologia ou quando ela foi instrumentalizada em favor de algum governante ou ideologia de poder. A Igreja tem uma outra forma de agir e se posicionar: ela tem o papel de formar critérios para um bom discernimento político. Segundo: ela busca estimular os cidadãos a participarem da vida pública como cidadãos, mas não como representantes da instituição Igreja. Assim, por exemplo, a Igreja Católica incentiva os fiéis leigos – não os clérigos – a participarem ativamente da vida política enquanto cidadãos e a ajudar as formar esses mesmos cidadãos católicos a desempenhar bem o seu cargo, a terem critérios para participar nos seus diversos campos de atuação política. Agora, é um campo complicado, porque é uma tentação rápida e fácil querer instrumentalizar o campo religioso, o campo da Igreja em função do apoio ou da busca do poder político. Por quê? Porque as comunidades religiosas são constituídas de maneira estável, muito mais do que as comunidades políticas, como os partidos. As comunidades religiosas, por outro lado, têm membros de vários partidos e se alguém, representando a comunidade religiosa (o clérigo), faz opção por um partido, ele está fazendo escolha também de aderentes desse partido em detrimento de outros. Portanto, o clérigo, o representante da Igreja, o pastor da Igreja deve trabalhar pela união e caminhar com toda a comunidade e não apenas com uma parte dela. Nem jogar uns contra os outros. Esse é sempre um critério importante a ser considerado. 

 

No que diz respeito ao diálogo político, qual a sua avaliação sobre a experiência da CNBB de diálogo com a sociedade a respeito dessa temática? O que ela pode ensinar para a vida da Igreja e da sociedade?

A CNBB tem procurado o diálogo e está aberta ao diálogo com todos, está de portas abertas para acolher a todos. De fato, ela tem sido muito procurada também. Naturalmente, há quem não procura e não quer o diálogo com a CNBB por uma questão de posições pré-definidas e, portanto, não deseja, não quer o diálogo. Bem, não se pode obrigar quem não quer. Agora, o  que a CNBB tem feito enquanto conferência dos bispos – lembremos que a CNBB é a conferência dos bispos e não representante da Igreja no Brasil – é se manifestar em todas as situações, com notas, pronunciamentos sobre diversas questões para ajudar no discernimento, chamar a atenção para diversos temas que estão na ordem do dia da vida pública, além de conclamar os cidadãos brasileiros a aderirem a determinadas causas. Eu acredito que a CNBB continua sendo referência para muitos na sociedade, embora nesses últimos anos tenha havido uma série de ataques à entidade para tentar tirar dela a credibilidade. Mas ela continua com credibilidade alta e não se pode simplesmente aceitar narrativas errôneas em torno do papel da CNBB, como se ela fosse um partido político. Ela não é um partido político, não é um sindicato. Ela é voz dos bispos que representam as suas dioceses e, no conjunto, representam as dioceses de todo o Brasil, o povo católico. E não só a voz da comunidade católica: alguns pronunciamentos da CNBB têm sido feitos em função do bem da população com um todo e não apenas dos católicos.

 

Agora, internamente, há uma harmonia entre vocês bispos apesar das diferenças naturais que existem entre vocês...

Existe uma grande unidade dos bispos, embora, é claro, cada bispo tenha as suas ideias, discurso, afinidades maiores ou menores com uma determinada posição, o que é plenamente legítimo. Não estão todos formatados segundo um único modelo político. Mas não falamos em função de ideologias, de modelos políticos, e sim nos manifestamos com base no Evangelho. No seguimento de Cristo, que se volta à humanidade, estamos unidos todos.

 

Olhando para a região da sua Arquidiocese, quais as principais demandas que o Sr. constata que os candidatos das próximas eleições deveriam dar atenção específica?

Naturalmente, nós temos demandas específicas relativas, por exemplo, à metrópole, com as suas situações, seus problemas próprios e isso cabe aos governantes locais, seja o prefeito, com a Câmara de Vereadores, mas também ao Estado – ao governador com a Assembleia Legislativa -, evidentemente em conjunto com todos os grupos da sociedade organizada. Aqui na metrópole temos sérias demandas e que são bem conhecidas: temos problemas de saneamento básico, de habitação digna, problemas muito sérios de desemprego, de violência, problemas de toda ordem. Por exemplo, a situação das populações carentes que se manifestam, agora, de maneira muito forte com os consumidores de drogas as pessoas em situação de rua, que tendem aumentar em número... Para essas situações, é preciso encontrar soluções para que haja uma vida digna para todos os cidadãos dessa nossa imensa metrópole de São Paulo.

 

O Sr. gostaria ainda de acrescentar algo, talvez uma mensagem para os fiéis eleitores tendo em vista a responsabilidade deles diante de um novo pleito eleitoral?

Eu já apontei para várias mensagens, mas se eu posso repetir uma: pensemos na vitória do Brasil, mais do que na vitória do “meu” governante ou do “meu” partido. Pensar na vitória do Brasil significa pensar naquilo que se vai reverter em benefício da população como um todo, não apenas de um grupo. Os governantes têm como primeiro dever olhar para a população que está mais à margem do bem comum, que tem menos acesso aos bens necessários à vida digna, como eu já falei: alimento, saúde, educação, moradia, oportunidades de trabalho e assim por diante. Todos os governantes, quem quer que seja eleito, não deveriam estar simplesmente preocupados com a vitória do partido, assim como os eleitores, mas olhar para o que mais e melhor contribui para o bem do Brasil. É isso que está em jogo.

Comentários

  • Luciano Rocha

    #fechadocomBolsonaro2022

  • Josefa Alves de Carvalho (Josi)

    Primeiramente queria agradecer por esta entrevista, pelo tema que se faz muito necessário para este momento de nossa história pública.
    Sim, devemos ter muita atenção nestas eleições para com todas as esferas de escolha de representantes públicos, que vão cuidar da coisa pública de todos nós.
    A nossa participação como cidadãos deve ser mais ativa, um envolvimento de fato.
    Fazer valer os nossos direitos e também respeitarmos e cumprirmos os nossos deveres também.
    Obrigada por todas as dicas e orientações.

  • Mario de Santi.

    sim a unidade e o discernir nos ajuda
    a compreender melhor nossos compromissos de cidadãos para um bem comum.
    Obrigado a equipe da Signis, do seu jornalista Luis Henrique e de Dom Odilo pela bela entrevista.