“Um verdadeiro político cristão tem que começar a fazer política a partir dos marginalizados”
Além disso, para Dom Adriano Ciocca Vasino, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, a Igreja precisa voltar a fazer um trabalho de base no que diz respeito à conscientização política do povo
O nosso convidado para essa terceira entrevista da série sobre Eleições 2022 e o momento político atual no Brasil é Dom Adriano Ciocca Vasino, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, papel que exerce há dez anos. Natural da Itália, está há 43 anos no Brasil, tendo vivido 33 deles no sertão “seco” de Pernambuco, onde foi bispo da Diocese de Floresta durante 13 anos. Por isso, Dom Adriano se considera um “ítalo-nordestino”. Ele é também bispo referencial para as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) no Regional Norte 3 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Nessa entrevista, ele faz uma breve avaliação do atual quadro político brasileiro, fala de diálogo e polarização, das demandas do povo e de esperança. Confira:
Qual é a sua avaliação do atual quadro político partidário brasileiro? Com a aproximação das eleições, há razões para se ter esperança para que esse quadro melhore e, assim, as mudanças que o país precisa tenham início efetivamente?
Em toda eleição, todo mundo espera do candidato que escolhe que esse faz o seu melhor. Ao longo desses anos, estando no meio do povo pobre e ver qual é a situação, é claro que esperamos ardentemente que haja uma mudança para um governo que dê atenção aos pobres, não cuide só de enriquecer as elites e um punhado daqueles que já são podres de rico.
Dentro das demandas do povo, quais o Sr. destaca como prioritárias?
Aquilo que o papa Francisco pede em favor dos pobres do mundo inteiro é necessário aqui também: teto, terra e trabalho. Aqui no Brasil estamos num déficit terrível de teto; os pobres estão perdendo a oportunidade de ter moradia devido a carestia em que se encontram, à falta de aumento salarial, ao desemprego e à inflação. Se é verdade que só em São Paulo tem 200 mil pessoas sem teto, que vivem nas ruas, essa é uma notícia muito triste. Quanto ao trabalho, nós sabemos qual é a situação no Brasil: calcula-se que existam cerca de 15 milhões de brasileiros desempregados, sem contar aqueles que são “empreendedores de si mesmos”, que é um grande logro feito sobre os pobres. Quanto à terra, alguém se gaba dizendo que, agora, com esse governo, pararam as invasões de terras. Aqui na minha região não é o que eu estou vendo. Antes, eram os pobres, os sem-terra que ocupavam terras improdutivas e de especulação. Hoje em dia, estamos os ricos, os latifundiários que estão roubando, expulsando os pequenos das suas terras, mas isso numa escala muito maior do que os sem-terra podiam fazer.
Novamente, estamos às voltas com um processo eleitoral. Levando em conta esse quadro, o que é importante lembrar ao eleitor sobre o que ele deve levar em consideração na hora de votar, isto é, quais características fundamentais ele deve valorizar num candidato ao qual vale pena dar o seu voto?
Nesse caso é só pegar a Fratelli Tutti, do papa Francisco, que é um manual da política com o “p” maiúscula, para ver como é que deve ser um candidato. Na Fratelli Tutti, o primeiro capítulo fala das sombras que estão pairando sobre o mundo, que se agravaram com a guerra da Ucrânia. No segundo capítulo, o papa, para falar da fraternidade que envolve a política como um dos pontos mais nobres e mais altos, apresenta a Parábola do Bom Samaritano. Então, um político que quer ser um verdadeiro político cristão tem que começar a fazer política a partir dos feridos, dos marginalizados, dos que estão à beira da estrada, aqueles que são excluídos. A partir dali é que deve começar a política. Depois, há necessidade de diálogo, de uma amabilidade no trato com as pessoas até chegar a uma política que seja exercício de fraternidade. Claro que para contar com pessoas assim tem que ter fé na pessoa humana e ter um plano de governo que seja capaz de contemplar essas perspectivas. E tem que ter competência, tem que ter as pessoas que, além de serem honestas, sejam competentes no campo em que deverão trabalhar. Com pessoas que não têm competência nenhuma, estamos vendo o que acontece, infelizmente.
O processo eleitoral é um espaço de debate...
E de diálogo. Também deveria ser de confronto de projetos políticos de gestão diferentes, mas todos apresentados com dignidade. Mas o que nós temos no nosso Brasil não são debates, mas uma polarização que não favorece absolutamente o diálogo, não favorece a possibilidade de esclarecer para o povo aquilo que é cada projeto. Deus queira que, com a abertura da campanha política, se abra também um espaço de debates que permitam enxergar melhor as coisas.
Então, já que hoje a polarização é um fato, como a Igreja pode contribuir para que esse debate ganhe a sobriedade que ele precisa ter?
Primeiramente, é preciso levar a sério aquilo que nós acreditamos: pelo Batismo temos um único Pai e que somos irmãos e irmãs apesar de termos partidos e opiniões diferentes. Se nós nos reconhecemos como filhos de Deus, imagem Dele, irmãos e irmãs, o respeito não pode faltar nunca. Isso me parece que é fundamental. Outra coisa que é importantíssima – que, infelizmente, a Igreja deixou de fazer em boa parte – é fazer o trabalho de base, de conscientização. Ajudar o povo a ligar aquilo que crê com a vida e tentar fazer com aquilo que crê, forme e guie aquilo que são as escolhas concretas da vida e não, na Igreja, chamar por Deus e depois fazer o contrário do que o Evangelho nos pede.
A propósito, a relação dos universos da política e religião sempre existiu, mas parece que no Brasil isso assumiu alguns rumos muito complicados em alguns casos. Como o Sr. avalia esse quadro?
O que eu vejo por parte de alguns grupos é uma manipulação e uma instrumentalização da religião para fins de poder e de enriquecimento, ou seja, o Evangelho não é mais referência. A referência é um projeto de poder, um projeto de concentração de renda que serve também da religião para poder alcançar os seus objetivos. Me parece que isso é o que está vindo à tona com os escândalos que estão aparecendo a todo o momento. Por outro lado, eu creio que a religião, quando é verdadeira, é claro que faz política na medida em que a pessoa leva a sério o Evangelho e a missão de Jesus. Nós que somos Corpo de Cristo devemos assumir, porque não podemos ter outra missão que é aquela que está no capítulo 4 do Evangelho de Lucas: “O Espírito do Senhor está sobre mim e Ele me ungiu e me enviou para anunciar uma boa notícia aos pobres, libertar os oprimidos, abrir os olhos dos cegos e anunciar o ano da graça do Senhor”. Essa é a missão da Igreja e é claro que se trazemos uma boa notícia aos pobres, libertamos os oprimidos, fazemos política, mas é a política com o “p” maiúscula e que podem ser encampadas dentro de projetos diferentes.
Como é essa experiência de diálogo no interior da própria CNBB, considerando que os bispos são muito diferentes entre si, seja do ponto de vista cultural, de experiência e assim por diante? Vocês bispos conseguem dar esse testemunho?
Com certeza! O fato de se ter posições e leituras diferentes da realidade é algo que é claríssimo dentro da CNBB. Mas não é porque alguém que tenha visão diferente da minha, porque vê a realidade de outro lugar, eu o considero inimigo. Muito pelo contrário! Continua sendo o meu irmão querido, com quem rezo, com quem dialogo e tudo mais. Essa pluralidade pode até ser uma riqueza, porque estimula a melhorar, a aprofundar sempre mais aquilo que pode ser o melhor e o mais coerente com o Evangelho. Graças a Deus, por enquanto, dentro da CNBB, um clima de polarização. É claro que há posições diferentes, mas repito: é uma riqueza e até agora a fraternidade e o respeito pelo outro e pela sua postura nunca vi faltar. Muito pelo contrário. Acho isso uma coisa muito bonita e muito gratificante!
Olhando para a sua própria região, em São Félix do Araguaia, quais demandas mais específicas o Sr. vê como mais importantes para serem atendidas pelos candidatos eleitos no pleito deste ano?
O Vale do Araguaia é uma nova fronteira agrícola que precisa de infraestruturas. Precisa também repensar a organização socioeconômica dessa região que, por enquanto, é extremamente móvel, em contínua mudança. Isso acarreta uma instabilidade, um vai-e-vem de gente, algo que é extremamente líquido de um tempo que já é líquido em si. O que nós precisaríamos é, aos poucos, estruturar essa região no respeito daquilo que são os territórios e os povos indígenas e ribeirinhos, na tentativa de equilibrar economicamente a região. O que está acontecendo é que o agronegócio está monopolizando praticamente todas as terras agricultáveis e isso implica um risco muito grande, porque numa queda de preço ou numa estiagem grave, a região pode colapsar. Se houver um equilíbrio nas fontes de produção e o respeito pelo ambiente, isso permitiria à região de prosperar de uma forma mais segura, mais estável.
Uma última palavra de esperança para este momento do País...
É claro que temos que ter esperança. Aqui na prelazia somos continuadores do caminho de Dom Pedro Casaldáliga. Nos seus últimos anos, quando ele tinha dificuldade de falar, não andava mais, aquilo que ele fazia era segurar na mão de quem o visitava – e fez isso comigo muitas vezes – e baixinho dizia: “Tem que ter esperança, tem que ter esperança”. Esse era o refrão que ele dizia continuamente. Eu acredito nisso. Se não tivéssemos esperança o que significa pensar em viver no mundo atual. É preciso pensar positivo e lutar para que o melhor possa acontecer.
Comentários
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Fernando Francisco de Gois.
Muito boa a análise de dom Adriano, uma reflexão a partir do Evangelho e tendo como referência o compromisso com os oprimidos, os despossuídos e os condenados de um Brasil injusto e desigual e um mundo totalmente desumanizado .Dom Adriano o bispo do vale dos esquecidos trouxe uma profecia de organização, de conscientização e de ESPERANÇA.
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Luiza Aparecida Matos
Muito importante formar as pessoas q não têm fontes de informação nem de formação. Acabam votando contra elas mesmo. Quantas pessoas votam equivocadamente pq não tem acesso às informações necessárias. Cabe a cada brasileiro consciente e com esse potencial, levar através do diálogo e da compreensão da realidade atual, essa formação. É nossa essa responsabilidade.
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