“Precisamos levar as pessoas a se encantarem com a política”
Para a presidente do Conselho Nacional do Laicato no Brasil, é justamente neste momento de crise que precisamos redescobrir o valor da boa política
Dando continuidade a série de entrevistas que a Agência de Notícias SIGNIS programou para este ano sobre as eleições no segundo semestre e o momento político atual do Brasil, conversamos com Sônia Gomes Oliveira, presidente do Conselho Nacional do Laicato no Brasil (CNLB), organismo ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Sônia Gomes é natural e vive em Montes Claros, no norte de Minas Gerais.
Ela é assistente social e, seja profissionalmente, seja como uma católica comprometida com a sua missão na Igreja, tem uma reflexão crítica importante a oferecer, especialmente no que diz respeito à forma como muitos dos cidadãos brasileiros passaram a se relacionar com a política, demonizada pela opinião pública em geral, em grande parte pela forma como os chamados políticos profissionais historicamente atuam.
Como mulher de fé e atuante na causa da construção do Reino de Deus, Sônia diz acreditar em alternativas para esse quadro, dramaticamente agravado nos últimos anos pela polarização política. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual avaliação você faz do quadro político-partidário atual do Brasil?
É um quadro meio desencantador. Acho que quanto ao rumo que o nosso país tomou hoje, se nós cristãos – e digo isso a partir do que afirma o Papa Francisco na encíclica Fratelli Tutti – não tomarmos consciência dessa nossa missão, caminhamos para o desastre. A política partidária em nosso país acontece assumiu uma posição que não coincide com a essência da política, isto é, a defesa do bem comum, da democracia, da prática do cuidado com o outro. O que vemos hoje no cenário político brasileiro? Vemos grupos que se unem em benefício próprio, em benefício de uma pauta que não esclarece a verdade e que não é aquela que o povo brasileiro precisa. Então, vemos esse desastre que está aí.
Quais são as pautas que precisam ser levadas em conta no Brasil de hoje?
Muitos falam em defesa da família, mas de que família estás sendo defendida? Falam de uma pauta contra a ideologia... Mas que ideologia é essa? É uma política que assumiu um caráter de interesse privado, de grupos, de oligarquias, que não trabalham com uma pauta focada na realidade do nosso país. Enquanto isso, vemos um aumento da população em condição de rua, do desemprego, dos conflitos no campo, a crise da “casa comum” e não vemos esses temas na pauta da nossa política. Vemos também partidos que poderiam abordar esses temas, porque correspondem à sua linha original de atuação, mas não estão fazendo isso. Essa postura fez com que as pessoas começassem a odiar a política. Por isso, digo que precisamos voltar a fazer com que as pessoas se encantem com a política, que descubram qual é a sua essência; voltar a trabalhar aquilo que é a fundamentação dos partidos políticos e, ao mesmo tempo, integrar pessoas que querem vivenciar uma boa política, que não a exerçam como profissão, mas como serviço. Como cristãos leigos e leigas, precisamos levar as pessoas a se encantarem com a política.
Apesar desse contexto desencantador, o que recomendar ao eleitor para que ele leve em conta no momento de escolher os seus candidatos nas próximas eleições?
Nesse quadro, temos candidatos muito bons. É justamente nesse cenário que nós cristãos – e digo isso especialmente como quem tem essa missão junto ao laicato – temos que avaliar e usar de critérios para escolher os candidatos. Muitos vão falar em nome de Deus, mas que Deus é esse que querem defender? Muitos vão falar em nome da família, mas que família é essa que eles querem defender? Vão falar da casa comum, da terra, da água, mas quem são essas pessoas? Nós temos que fazer um trabalho de base, nesse curto tempo que temos, de uma conscientização e divulgação daqueles candidatos que nos representam. Nas nossas comunidades, temos muitos nomes de políticos, pessoas boas, que podem contribuir. Nós queremos apoiar os candidatos que são e estão sempre presentes nas nossas comunidades; apoiar os candidatos que fizeram e fazem pelo nosso país, que demonstraram atenção para com o pobre, o trabalhador, a trabalhadora; na sua pauta, colocaram em evidência as minorias, com foco na terra, no teto e no trabalho. Queremos apoiar aqueles candidatos que caminham com os movimentos sociais e populares. Precisamos entender que esses são os nossos os candidatos, porque são eles que poderão colocar em evidência as pautas que interessam ao nosso povo: a pauta da casa comum, do desemprego, da mulher, do negro, do indígena. Outra pauta é que consideremos aquilo que a CNBB apontou nos últimos quatro anos, por exemplo, sendo contrária a certas pautas. Muitos candidatos, à época, voltaram contra essas orientações da CNBB. São políticos que votaram projetos de lei contra os indígenas, que contribuíram para com esse retrocesso das políticas sociais e das leis trabalhistas. Precisamos pedir para que esses políticos não sejam reeleitos e dar uma oportunidade para os novos. Precisamos também discutir essa novidade que são as candidaturas coletivas, que têm dado certo no nosso país. O Brasil tem sido um terreno fértil para experimentar essas inovações. Precisamos defender a nossa democracia, que está sendo achincalhada. Precisamos de políticas e políticos que façam a defesa da democracia, dos poderes públicos. Esses nunca foram tão fragilizados. Por fim, é necessário levar em conta aqueles políticos que não colocam a economia acima da vida. A economia mata! Vimos isso acontecer durante essa pandemia. Quantas vidas foram ceifadas em nosso país em nome da economia. A vida tem que estar em primeiro lugar.
O processo eleitoral é evidentemente um momento de debate. Mas vivemos ainda sob um clima intenso de polarização que não favorece um debate sadio. Como encarar esse processo com sobriedade?
Eu falo que precisamos de serenidade e lucidez. Precisamos caminhar como Francisco de Assis, como o próprio Jesus Cristo, isto é, onde houver esse processo de ódio, precisamos levar o sentimento do amor, da paz. Temos canais muito interessantes para fazermos essa experiência. Um dos meios pelos quais hoje as pessoas mais se comunicam são os grupos de WhatsApp. Então, ao invés de disseminar uma campanha de ódio por canais como esse, é preciso fazer uma campanha pela cultura da paz e procura sempre o bem. Nesse sentido, uma das alternativas é voltarmos ao trabalho de base, voltarmos às rodas de conversa; buscar fazer um trabalho com os meios de comunicação, principalmente os católicos e de inspiração católica, de modo que esses não fortaleçam essa lógica da polarização em que prevalece o ódio. Precisamos partir do que a política tem de melhor e trabalhar isso. Recebemos e repassamos muita coisa negativa. Precisamos fazer diferente: apresentar coisas boas, com cartilhas, com bons textos, como faz o papa Francisco; gravar pequenos áudios e vídeos com esse tipo de mensagem positiva. Diante dessa campanha de ódio, podemos fazer diferente, por exemplo, divulgando testemunho de comunidades que vivenciaram experiências bonitas. Acho que temos um trabalho de profecia a ser feito, uma profecia em defesa da ética, da boa política e realmente encantar as pessoas para aquilo que deve ser a política.
A relação política e religião é inevitável, porque o mesmo ser humano que é religioso é também político. Como tornar essa relação saudável?
Como católica, penso que devemos recuperar o conteúdo dos documentos da nossa Igreja, especificamente aquilo que está contido na Doutrina Social da Igreja. Por outro lado, muitas pessoas insistem em defender essa ideia de que a Igreja não pode discutir política. A partir do momento em que isso aconteceu, certos grupos políticos e religiosos assumiram o espaço de atuação política, criando esse quadro negativo que temos hoje. Nós precisamos ocupar esses espaços, mas não para mandatos ou bancadas de Igreja ou de grupos religiosos. As pessoas religiosas devem vivenciar a política para dar testemunho concreto da sua fé. Ocupar esses espaços significa atender a uma vocação que é para a prática do bem, assim como o próprio Cristo que fez uma experiência política e foi morto por assumir uma posição política contra o poder que explorava a maioria. Quando um cristão se dispõe a exercer um papel na política, não é para defender Igreja ou segmento religioso, mas para defender ou testemunhar aquilo que é a essência do Evangelho que é a vida, a verdade. O que estamos vendo hoje é o contrário: segmentos religiosos que ocupam espaços políticos para defender interesses dos seus grupos. Entre esses, há também católicos que, eleitos por suas comunidades, não dão testemunho de vida evangélica.
Como o Conselho Nacional do Laicato no Brasil vai atuar especificamente no próximo pleito, tendo em vista orientar os eleitores católicos a exercerem adequadamente o seu direito de voto?
Desde as eleições municipais de 2020, nós temos construído um olhar para essa nossa realidade mediante um processo de avaliação. Fizemos uma parceria com a Comissão Brasileira de Justiça e Paz, com o Núcleo de Estudos Sociopolíticos da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Nesp/PUC-Minas), com o Centro de Formação Fé e Política Dom Helder Câmara (Cefep) e outras entidades. Recentemente, apresentamos uma cartilha intitulada “Encantar a política” ao Conselho Permanente da CNBB, subsídio que queremos fazer chegar às comunidades e que, acredito, será lançada até o dia 15 de abril. Na página oficial do CNLB vamos reorganizar um hotsite com essa e outras cartilhas, textos, análise de conjuntura, pequenos vídeos, um material a ser publicado diariamente com o objetivo de superar essa ideia de que a política é algo ruim, além de formar e orientar o laicato sobre essa temática. Nas eleições passadas, esse hotsite teve mais de 45 mil acessos; para esse ano, esperamos dobrar esse número. Estamos dialogando com essas entidades, além das pastorais sociais e a 6ª Semana Social Brasileira, para também apresentar candidaturas. Dizíamos entre nós do Conselho de Leigos que não basta apenas dizer para o cidadão que ele tem que assumir certo tipo de candidatura. Agora, queremos apresentar e apoiar essas candidaturas desses cristãos, leigas e leigos. Estamos construindo os critérios para definir quem apoiar. Além disso, caso esses candidatos sejam eleitos, com esse apoio, vamos criar uma forma de acompanhar a ação desses políticos. Além disso, de 13 a 15 de maio, vamos fazer uma capacitação em Brasília para todos os agentes de pastoral sobre essa cartilha, sobre como ela poderá ser trabalhada.
Ainda com esses grupos, temos feito um curso de planejamento de campanha eleitoral. Esse curso já está com a terceira turma cujas aulas estão para começar. Pensamos nesse curso como uma forma de capacitar muitos dos nossos candidatos e candidatas que não conseguem enfrentar esses grupos políticos que têm grande recurso financeiro para fazer as suas campanhas. É também uma parceria com a PUC-Minas. Está sendo muito interessante, porque estamos trazendo pessoas bem distantes, que têm vontade de se candidatar, tem coragem e ousadia, mas, muitas vezes, esbarram nesse processo de planejamento.
Comentários
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Breno
É preciso escolher, sair de cima do muro: ou é comunista ou cristão! Tirem a máscara! Basta de infiltração esquerdista na Santa Igreja Católica!
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Antonio Carlos da Silva
Gostei muito do artigo. Acho que se entendêssemos que ser a favor do bem é um ato político, pois implica lutar para termos leis que assegurem mais justiça, maior distribuição dos recursos desde alimentos, moradia, saneamento e maior cuidado com a "casa comum" muitos que tem aversão à política se encantariam em contribuir para que mude nossa realidade em que vivemos.
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