Compromissada com a verdade, com a vida e com o próximo
Confira a entrevista com a colega Karla Maria, vencedora da categoria Jornal da edição deste ano do Prêmio Dom Helder Câmara de Imprensa, da CNBB
Pela terceira vez, a jornalista Karla Maria, repórter da Agência de Notícias SIGINIS, foi a vencedora da categoria do Prêmio Dom Helder Câmara, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Essa é a primeira vez pela categoria Jornal (as duas anteriores foi pela categoria Revista). A premiação aconteceu na noite de ontem (quarta, 20/10) e foi transmitida por emissoras de TV de inspiração católica, coordenadas pela TV Pai Eterno. Karla foi premiada pela produção da série de reportagens intitulada “A luta da população em situação de rua pela sobrevivência em tempos de pandemia”, publicada pelo jornal O Trecheiro, da Rede Rua (produzido com e para os moradores em situação de rua há 30 anos). Nessa edição dos Prêmios da CNBB – a de número 53ª – foram 15 os ganhadores.
Nessa entrevista, Karla fala sobre o trabalho premiado, o exercício do jornalismo, sua experiência com a produção de livros-reportagem e sua identidade cristã.
Você poderia se apresentar, dizendo algo sobre a sua formação e experiência profissional.
Sou jornalista graduada pela Universidade Metodista de São Paulo e pós-graduanda em produção editorial pela Fapcom. Tenho outros cursos em cinema, escrita criativa, mas certamente minha formação foi feita também no dia a dia de coberturas da realidade brasileira, muito próxima das pastorais e movimentos sociais. Sou autora de quatro livros reportagem (três publicados): Mulheres Extraordinárias, Irmã Dulce, a santa brasileira que fez dos pobres sua vida e O peso do Jumbo, histórias de uma repórter de dentro e fora do cárcere, todos publicados pela Paulus Editora. Estas publicações me levaram a assumir a cadeira 8 da Academia Guarulhense de Letras, a qual ocupo com muita honra... O quarto livro está em fase de editoração e busca de financiamento.
Qual o significado desse prêmio para você?
Será a terceira vez que recebo o Prêmio Dom Helder Câmara de Imprensa da CNBB e o significado é de renovação de minha função social como jornalista que defende os direitos humanos. Traz ânimo em um momento de tanta desvalorização da prática do jornalismo, da banalidade da vida humana... é a possibilidade de pautar o modo como as pessoas estão sobrevivendo à pandemia, ao despejo, desemprego, à vida sem teto.
Você poderia contar um pouco sobre os bastidores, o processo de construção dessa reportagem?
A série de reportagens “A luta pela sobrevivência em tempos de pandemia” que produzi e foi publicada no jornal O Trecheiro foi construída com muito receio de ser contaminada pela Covid-19. Sim, mas em campo, ao entrevistar as pessoas, o medo se dissipou frente à necessidade de fazer o registro e a denúncia: as pessoas em situação de rua vivem sob o ataque de diversos vírus, como a omissão do Estado, a indiferença da população, a falência de políticas públicas de combate à fome, ao desemprego etc. Era preciso denunciar, não se calar diante de tanta desumanidade.
Você tem se dedicado à produção de livro-reportagem. O que você pode nos dizer sobre essa experiência?
É verdade. Encontrei neste formato, o livro-reportagem, a possibilidade de ampliar a discussão sobre os direitos humanos, termo tão desconhecido e ainda assim banalizado, criminalizado. Neste meu último trabalho (ainda não publicado) trago a realidade de quem estava e está nas ruas enfrentando a Covid-19, mas não só, a partir das pautas que desenvolvi no jornal O Trecheiro trago uma visão ampliada do cenário político-econômico que atravessamos neste período de pandemia e das articulações da sociedade civil, dos movimentos e pastorais sociais que resistem aos tantos vírus. Os livros-reportagem são para mim instrumentos poderosos de registro da história e de humanização de leitor e da leitora. Este é meu desafio como escritora.
Hoje, o jornalismo tem sido questionado como atividade necessária, entre outras razões dada a polarização político-ideológica. O que, para você, justifica a importância dessa atividade para a sociedade?
Defender a prática do bom jornalismo é defender democracia, ou seja, possibilitar que o cidadão, a cidadã, tome suas decisões políticas a partir de informações checadas, apuradas, para que não seja massa de manobra. Sem o jornalismo, a sociedade perde sim referência do que é verdade e cai nos discursos político-ideológicos. Observo que há grandes dificuldades do público de modo geral em diferenciar notícia de opinião, discurso de fato, e isso porque não temos uma educação para a leitura crítica dos meios de comunicação, o que fortaleceria todo o processo comunicacional e a própria democracia. Sem o jornalismo, a sociedade fica refém dos discursos oficiais e por isso, de um mundo desconectado da realidade de camadas da população, especialmente dos que mais sofrem com a violência do Estado, seja em suas ações ou omissões. Uma sociedade sem jornalismo ético aquele comprometido com sua função social não é uma sociedade democrática e está fadada a ser governada por autoritários. Agora, eu defendo a prática do bom jornalismo, e não as empresas de comunicação que se vestem de jornalismo para a prática e defesa de políticas que contrariam a dignidade humana. O leitor/leitora precisa estar atento. A crítica aos veículos de comunicação é sempre bem-vinda, os ataques violentos não.
Você faz parte da Equipe de Reportagem da Agência de Notícias SIGNIS? Como tem sido essa experiência?
Eu me identifico muito editorialmente com a Agência de Notícias SIGNIS. Nela encontro espaço real e sem censura para exercer minha função pautando aquilo que acho e achamos relevante à sociedade e que nem sempre é de fácil e rápido entendimento. Fazer jornalismo sem censura e com um tantinho a mais de tempo para apuração é privilégio.
Nosso objetivo na agência é provocar reflexão, análise, ampliar vozes e realidades muitas vezes ignoradas por parte da imprensa, inclusive a imprensa católica, e acredito que estamos conseguindo ampliar nosso alcance com nossa especialização, dedicação e compromisso com o Brasil e seu povo. Mas não faço sozinha, e isso é bom também: fazer parte de uma equipe humana, parceira é muito bom.
Sabe, o jornalismo machuca a repórter, porque lidamos com as pessoas e suas vidas em momentos tristes, de desespero e morte, e em nossa equipe encontro amparo não só nas ideias de pauta ou saídas para um texto ou outro, encontro ombro, me identifico com os colegas que sonham e constroem um mundo melhor. Vale lembrar que somos a maioria de mulheres na equipe ao lado de homens nada machistas, e este ambiente favorece à criação. Tem sido um processo de aprendizado e adaptação dos processos. Iniciamos em meio à pandemia, no meio do caos, e estamos seguindo, porque a realidade se impôs e a Signis não se furtou a responder às exigências de seu tempo: de comunicar e denunciar o Brasil violento que vivemos.
Na sua carreira, você optou sobretudo para assumir sempre sua identidade como cristã. Por quê?
Porque é isso: identidade. É o que eu sou, e não daria para ser diferente. Como batizada tenho compromisso com a verdade, com a vida, com o próximo, e é este o compromisso do jornalismo também. Claro, que manter-se neste caminho tem seu preço, e no mundo neoliberal, a conta tem sido bastante alta, mas sigo feliz com minhas escolhas e grata a Deus por me permitir seguir registrando a história do hoje. Compartilho com vocês uma mensagem bonita que carrego comigo desde 2012, e que chega em 2021, neste troféu conferido a mim pela CNBB: “É graça divina começar bem. Graça maior persistir na caminhada certa. Mas a graça das graças é não desistir nunca” (Dom Helder Câmara).
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